O que a ciência nos diz sobre sonhos é pesadelos nesse texto, há um complemento verbal no trecho

Considere-se um privilegiado se você nunca acordou no meio da madrugada ofegante, com o coração acelerado e/ou assustado depois de um episódio de pesadelos. A maioria das pessoas, mais cedo ou mais tarde [mais cedo do que tarde na grande maioria dos casos], vai passar por isso em algum momento da sua vida.

Repare que dissemos “pessoas” e não crianças. Isso porque apesar de os pesadelos serem mais associados à infância, eles podem acontecer em qualquer fase da vida

Apesar disso, neste caso a sabedoria popular não está de todo errada. Até 50% das crianças de 3 a 6 anos de idade podem ter pesadelos tão frequentes ou intensos a ponto de preocupar os pais. Já no caso dos adultos, estima-se que de 2% a 8% os tenham com recorrência, mas um em cada dois maiores de idade já apresentaram episódios noturnos negativos. 

O que são os pesadelos

Pesadelos são versões muito intensas de um sonho ruim. Porque não, um pesadelo e um sonho ruim não são a mesma coisa.

Um pesadelo é um sonho vívido com narrativa ameaçadora, inquietante, negativamente bizarra ou que prejudica a tranquilidade noturna de quem passa por ele. Assim como os sonhos “positivos”, eles acontecem em maior parte durante o sono REM, na qual os olhos se movimentam rapidamente e que é mais presente na segunda metade da noite. 

Enquanto os pesadelos são intensos o suficiente para que uma pessoa acorde, os sonhos ruins não tem esse poder. Essa distinção é importante para entendermos a correlação entre eles, a saúde mental e a vida em geral, uma vez que o mal-estar está muito mais relacionado aos pesadelos do que a sonhos ruins pontuais. 

Em outras palavras, o estresse gera mais pesadelos do que gera que sonhos ruins. E mais: pessoas com pesadelos frequentes também reportam sonhos ruins com uma frequência acima da média, enquanto pessoas com sonhos ruins frequentes não têm pesadelos com mais recorrência que as demais. 

O que causa um pesadelo

Assim como os sonhos, os pesadelos não têm uma causa específica. O que eles têm são gatilhos que podem, ou não, criar esses cenários durante o sono. 

Alguns desses gatilhos são:

  • Abuso de substâncias lícitas [álcool] e ilícitas [drogas recreativas].
  • Ansiedade e estresse, sendo eles distúrbios crônicos ou causados por um infortúnio pontual, como problemas no trabalho, a perda de um ente querido ou estar vivendo em meio à maior crise sanitária dessa geração.
  • Filmes, livros, documentários e mídias assustadoras em geral podem, de fato, causar uma noite de pesadelos. Essa não é uma “crendice popular”.
  • Histórico familiar de parassonias ou distúrbio de pesadelos.
  • Privação do sono. Tanto o sono irregular causado por mudanças na rotina quanto a insônia podem ser gatilhos para sonhos vívidos e pesadelos. 
  • Distúrbios de saúde mental como a depressão.
  • Trauma, com pesadelos sendo um sintoma comum em pessoas com PTSD / TEPT [transtorno de estresse pós-traumático].
  • Uso de medicamentos como antidepressivos, reguladores de pressão arterial e tratamento de mal de Parkinson.  
  • Retirada de certos medicamentos da rotina, especificamente aqueles que suprimem o sono REM. A diminuição ou supressão dessas substâncias no organismo pode causar um efeito rebote e aumentar temporariamente a proporção de sono REM e, consequentemente, intensificar sonhos vívidos e pesadelos.

Existe também uma hipótese que fala sobre a propensão a pesadelos ter origem genética. Um estudo finlandês analisou pares de gêmeos e encontrou mais similaridade de recorrência de episódios entre os gêmeos monozigóticos [univitelinos, os chamados gêmeos idênticos] do que em gêmeos dizigóticos [fraternos].

Quando procurar um médico?

Antes de mais nada, vale a pena repetir: é normal ter pesadelos em quaisquer faixas etárias. Por mais que sejam mais comuns nas crianças da chamada primeira infância, eles podem acontecer a qualquer momento da vida.

Ao mesmo tempo, é importante diferenciar episódios de pesadelos do Transtorno do Pesadelo, esse sim um distúrbio que pode exigir acompanhamento médico e tratamento. 

O transtorno do pesadelo é um distúrbio do sono do tipo parassonia, ou seja, é um evento ou experiência pouco comum que ocorre enquanto uma pessoa dorme. De acordo com o DSM–5 [Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – Manual Diagnóstico e Estatístico de Distúrbios Mentais] da Associação Americana de Psiquiatria, os critérios do diagnóstico do transtorno do pesadelo são: 

1. Ocorrências repetidas e extremamente disfóricas, que geralmente envolvem esforços para evitar ameaças à segurança, à sobrevivência e à integridade física, e são facilmente recordadas pela manhã.

2. Ao acordar, não existe a letargia normalmente associada aos primeiros minutos do dia. A pessoa já acorda alerta e orientada.

3. Os pesadelos causam significativos estresse e alterações no comportamento, gerando prejuízos à vida pessoal, profissional e social do indivíduo.

4. Os pesadelos não são decorrência dos efeitos psicológicos do uso de substâncias, sejam elas lícitas ou ilícitas. 

5. Os transtornos mentais e médicos coexistentes aos pesadelos não explicam adequadamente a queixa predominante de sonhos disfóricos.

Caso você se sinta identificado com um ou mais desses critérios, esteja apresentando episódios de pesadelos muito frequentes e/ou perceba que eles estão atrapalhando a sua vida cotidiana, é necessário abordar esse tema com o seu médico de confiança ou buscar um médico do sono que possa, de fato, dar o diagnóstico. 

Manter um diário do sono, manual ou via aplicativo, pode ajudar você entender essa recorrência, intensidade e consequências na sua vida.

O tratamento para o Transtorno do Pesadelo pode incluir psicoterapia e medicação, além de um “treinamento” para domar esses sonhos ruins.  Em uma edição de 2015 da Revista do Sono, o neurologista e membro da Associação Brasileira do Sono, Dr. Luciano Ribeiro explica: “Essa abordagem é denominada terapia comportamental da imagem reversa, uma vez que o paciente é treinado a desenvolver a capacidade de transformar seu pesadelo em um sonho lúcido e, dessa forma, modificar o enredo do seu pesadelo”. 

O Dr. Luciano, porém, alerta que esse não é um processo fácil, que ele leva tempo e exige muita dedicação do paciente. 

Continue acompanhando o conteúdo do Persono para aprender mais sobre pesadelos e outras características do seu sono.

Os sonhos sempre despertaram a curiosidade do ser humano e esse é um assunto que tem sido abordado de forma filosófica, romântica e artística há milhares de anos.

Na mitologia grega, os sonhos tinham um papel essencial, pois eram considerados um modo de comunicação entre o mundo etéreo e o terreno, por meio do qual os deuses passavam mensagens aos mortais. Séculos depois, a ciência e a medicina se debruçam sobre o universo onírico. E vou compartilhar com vocês a importância dos sonhos dentro de uma concepção fisiológica e o que os estudos falam a respeito deles.

Sonhamos todas as noites. Em qualquer idade. E a maioria dos sonhos acontece durante a chamada fase REM [do inglês rapid eye movement], um sono profundo caracterizado pelo movimento rápido dos olhos. Mas eles também podem ocorrer durante o sono de ondas lentas, ainda que de forma menos frequente.

Durante o sono REM, há o relaxamento completo dos músculos do corpo, o que é fundamental para nos proteger, pois isso evita que tenhamos movimentos e outros comportamentos motores enquanto dormimos e sonhamos.

Sonhar não é um privilégio do ser humano. Diversos estudos mostram que animais — como gatos, cachorros, macacos, ratos e até golfinhos — também sonham. Registros eletrofisiológicos apontam que as fases do sono dos animais são muito parecidas com as das pessoas.

A maioria dos nossos sonhos é visual, mas [olha que curioso!] também podemos ter sonhos auditivos, olfativos e até com diversas sensações ao mesmo tempo.

Sonhando em ciclos

Sonhamos toda santa noite, várias vezes, e isso acontece porque o sono é cíclico. Pesquisas com exames de eletroencefalograma mostram que temos de cinco a seis ciclos de sono e cada ciclo passa pelas fases 1, 2, 3 e REM. Quando atingimos a fase REM, sempre temos pelo menos um sonho. Dessa forma, em média, sonhamos de cinco a seis vezes por noite.

O sonho integra um complexo fisiológico e se acredita que é importante para a consolidação da memória e a execução de muitas atividades mentais. Em todas as espécies animais, quanto mais jovem o indivíduo, maior tende a ser a quantidade de sono REM e de sonhos. Daí a hipótese de que eles sejam cruciais para o desenvolvimento do sistema nervoso central.

Talvez você tenha se espantado com o número de sonhos por noite. Calma, é normal não lembrar de todos eles. O fato de que só de vez em quando sabemos o que sonhamos se deve a um esquecimento natural. Mas podemos lembrar dos sonhos quando somos despertados durante o sonho em si ou dentro dos primeiros 10 ou 15 minutos após seu término. Quanto mais precocemente despertamos em relação ao sonho, mais perfeita será sua reconstituição.

Na maioria das vezes, os sonhos estão relacionados aos acontecimentos diários. Dessa forma, se você dorme bem e tem um sono de qualidade, o mais habitual é que não se lembre de todos seus sonhos.

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E os pesadelos?

Eles nada mais são do que sonhos com conteúdos desagradáveis e muitas vezes acontecem quando passamos o dia ansiosos e preocupados, ruminando pensamentos negativos que podem provocar uma instabilidade do sono.

Também podem acontecer após assistirmos a filmes com imagens ruins e violentas. Sabemos, ainda, que pessoas que vivenciaram tragédias podem sofrer com estresse pós-traumático e o pesadelo é um sintoma desse quadro.

Dependendo do conteúdo e da frequência dos pesadelos, a pessoa pode ter uma sensação muito vívida e desagradável, capaz de levá-la a episódios de insônia, sonolência excessiva diurna e ainda mais ansiedade e até medo de dormir.

Crianças em idade pré-escolar, principalmente entre os 4 e os 6 anos, são mais sensíveis a pesadelos. Por isso, é importante evitar que sejam expostas a conteúdos e imagens violentas, ainda mais próximo do horário de dormir.

Neste período da pandemia, muitas pessoas têm relatado aumento da ocorrência de pesadelos relacionados ao tema.

Sinais de alerta do sono

Acordar muito durante os sonhos pode ser um indício de que a qualidade do sono não vai bem. Além de sintoma de estresse e ansiedade, isso está relacionado a quadros de insônia, ronco e apneia obstrutiva do sono. Nesse último caso, a pessoa acorda por causa da pausa respiratória provocada pela apneia e são comuns relatos de que o sujeito tem a sensação de sufocamento ou sonhava que estava se afogando.

Outra questão que gera dúvida e apreensão são os sonhos vívidos. São aqueles em que o indivíduo apresenta alguns comportamentos, em geral motores, quando está sonhando. Ele sonha que está fazendo algo e seu corpo reproduz o movimento, o que pode ser extremamente perigoso para a pessoa ou seu parceiro.

Imagine alguém sonhando que a casa está pegando fogo e pulando da cama em direção à janela. Ou sonhando que precisa se defender de algo e fazendo um gesto abrupto em relação ao companheiro na cama.

Apesar de ainda não entendermos todas as causas dos sonhos vívidos, sabemos que eles estão vinculados a certos quadros neurológicos, consumo abusivo de álcool ou suspensão abrupta de algumas medicações [como antidepressivos]. Nesses casos, é importante buscar um médico para o diagnóstico e tratamento adequado.

Os sonhos vívidos são raros e tendem a ocorrer mais em idosos. Também podem fazer parte do transtorno comportamental do sono REM. Estudos recentes mostram que algumas pessoas com essa condição têm predisposição a desenvolver doenças neurológicas, caso do Parkinson.

Finalizo esta exposição sobre os sonhos com o conselho de cuidarmos bem do nosso sono. Isso ajuda inclusive a ter sonhos mais agradáveis, ainda que não lembremos deles depois. E, caso você esteja acordando sempre à noite e recordando com frequência dos seus sonhos, convém ficar atento a sinais de cansaço, sonolência diurna, insônia e outros transtornos e, se for o caso, procurar um médico.

* Rosana Cardoso Alves é neurologista especializada em neurofisiologia clínica e membro da Associação Brasileira do Sono

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