A ação popular prescreve em dez anos

Ao definir que são imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa, o Plenário do Supremo Tribunal Federal não restringiu o meio processual adotado para a pretensão.

A ação popular prescreve em dez anos
STF não restringiu o meio processual adotado para definir a imprescritibilidade de ressarcimento, disse ministra Maria Thereza
STJ

Com esse entendimento, a Corte Especial do Superior Tribunal negou seguimento ao recurso extraordinário de um ex-prefeito de Sorocaba (SP) que foi condenado em ação popular a ressarcir aos cofres municipais em R$ 278,6 mil porque, no ano de 1992, efetuou gastos indevidos com publicidade.

Para o prefeito, há uma abissal distinção entre o que as instâncias ordinárias decidiram em seu caso, referendado por acórdão da 2ª Turma do STJ, e a tese fixada em repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal.

Isso porque o caso dele não trata de recurso interposto nos autos de ação de ressarcimento por ato de improbidade, mas em sede de ação popular ajuizada por um particular por não se conformar com despesas supostamente impróprias realizadas com publicidade nos meses de janeiro a julho do ano de 1992.

Então vice-presidente do STJ e relatora, a ministra Maria Thereza de Assis Moura considerou correta a aplicação do precedente do Supremo ao caso do ex-prefeito porque o escopo da norma é elevar a um patamar constitucional a proteção da coisa pública, tornando imprescritível o direito da sociedade em reaver o prejuízo que lhe foi causado em razão da prática de ato de improbidade administrativa.

"Vale registrar que o tema afirmou a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário pela prática de ato de improbidade administrativa, não havendo nenhuma restrição quanto ao meio processual adotado, que poderá ser ação de ressarcimento, ação civil pública, ação popular, ou mesmo a ação de improbidade administrativa”, disse.

A ação popular prescreve em dez anos
Para ministro Raul Araújo, precedente vai transformar ação popular em "formidável instrumento de embates políticos"
Lucas Pricken

Decisão política
Para a relatora, as instâncias ordinárias deixaram expressamente indicado que o prefeito teve consciência e vontade de violar os princípios da administração pública, levando-se em consideração a evidente intenção de promoção pessoal ao veicular a propaganda.

Já o ex-prefeito diz que não houve qualquer apontamento de dolo na conduta, muito menos interpretação acerca da prescritibilidade das ações de ressarcimento fundadas na prática de ato de improbidade.

Ficaram vencidos na Corte Especial os ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Raul Araújo. Para o primeiro, por se tratar de ação cívica, não se vislumbra a inequívoca, certa ou específica demonstração da suposta existência da prática de ato doloso de improbidade administrativa, que é o pressuposto da imprescritibilidade em questão.

Como a ação não é sancionatória, mas apenas ressarcitória, não cabe a aplicação da tese do Supremo. Já o ministro Raul Araújo destaca que, por se tratar de ação popular, o prazo prescricional é de cinco anos. Entender diferentemente significaria que qualquer ação que indique eventual lesão ao erário se torne imprescritível.

"Todo ato se torna, a partir de hoje, questionável para sempre. A ação popular será um formidável instrumento de embates políticos, não jurídicos. O que se quer é trazer questionamento de ordem mais política do que propriamente jurídica em cima dessas ações populares. Qualquer um pode manejar. Significa que todo administrador estará permanentemente com uma espada no pescoço", criticou.

Para o ministro Raul, o caso é exemplar porque os atos impugnados são propagandas realizadas a contragosto dos opositores do então prefeito. E foram inclusive feitas antes da entrada em vigor da Lei de Improbidade Administrativa, que é de 2 de junho de 1992.

"Estaríamos formando um precedente de que toda ação popular é imprescritível, de modo que não prevalecerá mais a prescrição quinquenal. Seria salutar o encaminhamento desses autos, se não houver outros óbices, ao Supremo em sede de recurso extraordinário. É uma revolução que estamos fazendo com o sistema das ações populares", apontou.

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REsp 1.159.598

Revista Consultor Jurídico, 8 de dezembro de 2020, 18h36

O prazo prescricional para ação civil pública de interesses individuais homogêneos disponíveis é de cinco anos. Com base nesse entendimento firmado pela Corte Especial, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a prescrição de ação civil pública da Associação Brasileira de Consumidores de Água e Energia Elétrica (Assobraee) contra a Elektro Eletricidade e Serviços.

A ação popular prescreve em dez anos
STJ reconheceu a prescrição de ação que pedia restituição a consumidores
STJ

A entidade pedia a restituição em dobro e com correção monetária a todos os consumidores industriais paulistas pela cobrança, em 1986, do adicional de 20% na conta de luz. As informações são do jornal Valor Econômico.

A ação da Assobraee foi negada em primeira instância. O Tribunal de Justiça de São Paulo aceitou recurso da entidade e condenou a Elektro a restituir os consumidores. A empresa recorreu ao STJ.

Durante o processo, a Corte Superior do tribunal entendeu que é aplicável à ação civil pública de interesses individuais homogêneos disponíveis o prazo prescricional de cinco anos previsto no artigo 21 da Lei da Ação Popular (Lei 4.717/1965).

Relator do caso, o ministro Raul Araújo aplicou essa tese para reconhecer a prescrição da ação da Assobraee e extinguir o processo. A decisão transitou em julgado em setembro.

O advogado André Barabino, sócio do escritório TozziniFreire, que representou a Elektro no STJ, afirmou ao Valor que a decisão permite que outras empresas movam ações rescisórias para reverter condenações referentes a casos já prescritos à época do julgamento.

Por outro lado, a representante da Assobraee no processo, a advogada Gelcy Bueno Alves Martins, do escritório Murray Advogados, avaliou que a decisão do STJ gera insegurança jurídica e prejuízo ao direito adquirido.

AgInt no AREsp 1.127.690

Revista Consultor Jurídico, 17 de novembro de 2020, 17h55

Conteúdo da Página

​​A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, que a ação coletiva de consumo não se sujeita ao prazo prescricional de cinco anos fixado na Lei 4.717/1965. Para o colegiado, não há prazo para o exercício do direito subjetivo público e abstrato de agir relacionado ao ajuizamento desse tipo de ação, o que afasta a aplicação analógica do artigo 21 da Lei da Ação Popular.

A relatora do caso julgado, ministra Nancy Andrighi, explicou que o exame da questão demanda a distinção conceitual entre os institutos do direito subjetivo, da pretensão e do direito de ação, esclarecendo que a prescrição se relaciona ao exercício da pretensão, e não ao direito público subjetivo e processual de agir – que, por ser abstrato, não se submete às consequências da inércia e da passagem do tempo nos mesmos moldes da pretensão.

A ministra afirmou que o direito público subjetivo e processual de ação deve ser considerado, em si, imprescritível, haja vista ser sempre possível requerer a manifestação do Estado sobre um determinado direito e obter a prestação jurisdicional, mesmo que ausente o direito material.

Propaganda enga​​nosa

O Ministério Público de Pernambuco ajuizou ação coletiva de consumo para questionar a venda de suplemento alimentar sem registro na Anvisa e a prática de propaganda enganosa, em virtude de o produto ser apresentado ao público consumidor como se possuísse propriedades medicinais.

A sentença, confirmada em segunda instância, condenou o laboratório a não mais ofertar suplementos alimentares sem autorização da Anvisa, não mais realizar publicidade enganosa ou abusiva, compensar danos morais coletivos – no valor de R$ 100 mil – e reparar os danos morais e materiais experimentados individualmente pelos consumidores, conforme apuração em liquidação de sentença.

No STJ, o recorrente alegou que a denúncia ocorreu em 2003, e a ação coletiva somente foi ajuizada em 2009, mais de cinco anos após a configuração da lesão, o que levaria à prescrição da ação coletiva.

Direito impe​​​recível

A relatora disse que o direito de agir é fruto do monopólio estatal do uso da força legítima e da vedação da autotutela, e representa a provocação ao Estado para que, por meio do Poder Judiciário, saia de sua imobilidade e se manifeste sobre o direito aplicável à relação jurídica deduzida em juízo.

"O direito de obter do Estado uma manifestação jurisdicional é imperecível, de forma que o máximo que pode ocorrer é a impossibilidade da satisfação de uma determinada pretensão por meio de um específico procedimento processual, ante a passagem do tempo qualificada pela inércia do titular, apta a caracterizar a preclusão, a qual, todavia, por si só, não impossibilita o uso abstrato da específica ação ou procedimento", afirmou.

Jurisprudênc​​ia

Nancy Andrighi explicou que, embora a jurisprudência do STJ aplique por analogia o prazo de cinco anos do artigo 21 da Lei da Ação Popular para a ação coletiva de consumo, por não existir na Lei da Ação Civil Pública prazo expresso para o exercício dessa modalidade de direito subjetivo público, o emprego da analogia é indevido, em razão da disparidade de objetos e causas de pedir de cada uma dessas ações.

Para Nancy Andrighi, a Lei 4.717/1965 dispõe expressamente em seu artigo 1º que o objetivo da ação popular é a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público em sentido amplo, constatado a partir dos vícios enumerados no artigo 2º.

Já as ações coletivas de consumo atendem a um espectro de prestações de direito material muito mais amplo, podendo não só anular ou declarar a nulidade de atos, como também determinar outras providências capazes de propiciar a adequada tutela dos consumidores, nos termos do artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor.

Economia​​​​ processual

"É, assim, necessária a superação (overruling) da atual orientação jurisprudencial desta corte, pois não há razão para se limitar o uso da ação coletiva ou desse especial procedimento coletivo de enfrentamento de interesses individuais homogêneos, coletivos em sentido estrito e difusos, sobretudo porque o escopo desse instrumento processual é o tratamento isonômico e concentrado de lides de massa relacionadas a questões de direito material que afetem uma coletividade de consumidores, tendo como resultado imediato beneficiar a economia processual", afirmou a relatora.

De acordo com a ministra, "submeter a ação coletiva de consumo a prazo determinado tem como única consequência impor aos consumidores os pesados ônus do ajuizamento de ações individuais, em prejuízo da razoável duração do processo e da primazia do julgamento de mérito, princípios expressamente previstos no atual Código de Processo Civil em seus artigos 4º e 6º, respectivamente, além de prejudicar a isonomia, ante a possibilidade de julgamentos discrepantes".

Termo inici​​al

Segundo Nancy Andrighi, mesmo que houvesse previsão legal de prazo para o ajuizamento de ações coletivas de consumo, o direito discutido no caso concreto não teria sido fulminado pela passagem do tempo.

Ela explicou que, pelo viés objetivo da teoria da actio nata, a prescrição começa a ser contada com a violação do direito, assim que a prestação se tornar exigível. Por outro lado, segundo a vertente subjetiva da actio nata, a contagem do prazo prescricional exige a efetiva inércia do titular do direito.

A relatora destacou que a jurisprudência do tribunal entende que a aplicação da actio nata sob a vertente subjetiva é excepcional, cabível apenas nos ilícitos extracontratuais, como no caso em exame.

Ao manter o acórdão do TJPE, a ministra observou que, por se tratar de ilícito extracontratual, o prazo prescricional somente deve ser contado a partir do efetivo conhecimento de todos os elementos da lesão.

Nancy Andrighi destacou que o TJPE concluiu que somente ao final do inquérito civil o Ministério Público se convenceu da natureza enganosa da publicidade, devendo ser esse o marco inicial de contagem do prazo, nos termos da teoria subjetiva da actio nata. Para a ministra, portanto, rever esse posicionamento demandaria o reexame de fatos e provas, o que é vedado pela Súmula 7 do STJ.

Leia o acórdão.