A importância da tradição popular para a igreja católica

As festas religiosas fazem parte da cultura popular brasileira que ao serem preservadas se constituem, quase sempre, em tradição cultural que faz parte da memória dos grupos sociais que a realizam. Essas festas nos levam a refletir sobre a realidade social e sobre a história de uma sociedade. O processo de continuidade da história desses grupos sociais é o centro da discussão dos autores e estudiosos que pesquisam o assunto. O interesse desses grupos sociais pela sua história é que faz manter acesa, o anseio de dar continuidade às manifestações que afloram seus traços e costumes.

Essas festas religiosas se constituem em expressões do imaginário de cada sociedade e manifestam sua particularidade ligada à representação de ação simbólica, seja na forma individual ou coletiva. As práticas através das quais os agentes manifestam seus valores inconscientes, são representados por uma função simbólica desses rituais. “Esses rituais devem acontecer dentro dos grupos e neles devem ser respeitadas as diferenças e as diversidades, para que possam ser constituídos em elementos expressivos de identificação das manifestações culturais”. (SILVA, 1990. p. 324, 325).

O catolicismo popular que se enraizou no Brasil está marcado por sua origem européia, mas encontrou nas tradições culturais dos grupos africanos que aqui existiam, elementos que deram novas configurações. O encontro da cultura africana com a cultura indígena produziu um modo partilhado de a cultura popular pensar a relação entre o sagrado e o profano.

Quando nos referimos ao catolicismo estamos na verdade nos remetendo a um intrincado sistema de práticas, significados, rituais e personagens que transitam por este universo religioso e que ultrapassam as fronteiras institucionais da igreja e ortodoxia católica. Segundo Steil “Este sistema de práticas se constitui na preocupação de muitos estudiosos, que precisam alocar esforços conjuntos para encontrar formas de manter vivas as manifestações culturais enlaçadas na religiosidade”. (STEIL, 2001. P. 10).

A atuação da igreja católica através das missões foi fundamental no que se refere ao fornecimento dos elementos de controle ideológicos, legitimando o processo de civilização através das ações catequéticas, disciplinarização, controle social e adequação do nativo ao mercado de trabalho. As missões tinham o objetivo de formar os índios para a vida do trabalho. “A desavença entre portugueses e jesuítas contribuiu, consideravelmente, para a introdução da mão de obra africana na Amazônia” (FUNES, 1995. P.45). Era natural a necessidade da implementação da ocupação e do desenvolvimento da região, que a partir de 1721 passara a ter sua administração vinculada à metrópole, incorporado ao domínio português em 1750, através do Tratado de Madrid.

A importância da tradição popular para a igreja católica

O Sincretismo Religioso

Na atualidade, muitos autores passaram a pesquisar o sincretismo religioso. Apesar das divergências nas opiniões, o tema passou a ter maior importância no meio científico. A palavra sincretismo chega a ser considerada uma “palavra maldita” por muitos deles que, inclusive, evitam mencioná-la em seus escritos, por considerá-lo colonialista. Ferretti analisa da seguinte forma:

Embora alguns não admitam, todas as religiões são sincréticas, pois representam o resultado de grandes sínteses integrando elementos de várias procedências que formam um novo todo. No Brasil, quando se fala em religiões afro-brasileiras pensa-se imediatamente em sincretismo, como “aglomerado indigesto” de ritos e mitos ou como “bricolagem” no sentido de mosaico as vezes inocente de elementos de origens diversas (POLLAK, 1996: 13). Costuma-se atribuir, também, o termo sincretismo em nosso país, quase que exclusivamente ao catolicismo popular e às religiões afro-brasileiras. (FERRETTI, 2005. p. 04).

Entende-se que o sincretismo está presente nas tradições religiosas, no catolicismo primitivo e atual. Nesse contexto, sincretismo é visto como característica da fenomenologia religiosa (fenômeno religioso), onde os elementos de uma cultura englobam conteúdos de diversas origens. O sincretismo não desmerece, mas engrandece as religiões, pois, implica na convergência de tradições distintas.
Os autores que condenam o sincretismo baseiam seus estudos nas religiões afro-brasileiras, onde, alguns líderes com bastante influência lutam pela sua extinção afirmando que não há mais necessidade de disfarçar as crenças africanas por trás de uma máscara colonial da igreja católica. “Deve-se evitar a tentativa de ridicularizar o sincretismo existente nas festas populares que conseguem conservar as ladainhas de suas festas populares”. (FERRETTI, 2001. p. 07)

Deve-se entender o sincretismo como elemento essencial à formação da religiosidade popular e das diversas religiões. O sincretismo está presente nas procissões, nas promessas, nas Meias luas (procissões fluviais), e em várias manifestações populares e religiosas. Para as religiões afro-brasileiras representa o relacionamento dos grupos de origem européia, indígena e africana, numa aliança que começou nas senzalas e quilombos e se estenderá até quando os grupos sociais acharem convenientes e importantes, para a sua história.

Na festa de São Benedito de Almeirim o sincretismo está presente em várias manifestações fazendo parte da tradição e seria difícil imaginar aquela festa sem suas partes profanas e religiosas. Os fiéis respeitam os rituais religiosos, porém, adoram os acontecimentos da parte profana como: bingo, festa dançante, o Gambá, as brincadeiras etc. entende-se que se deve fazer diferença entre o sagrado e o profano porém sem desmembrá-los da história cultural daquele povo.

A festa e o santo homenageado possuem um caráter emblemático para a comunidade que os mantém. Na sua escolha desse símbolo de expressão da religiosidade comunitária, podem intervir questões não diretamente ligadas ao poder do santo, mas o prestígio de quem sugere sua adoção, “a verdadeira origem da devoção é o milagre, pois de fato, São Benedito, como todo santo é milagroso por sua própria natureza de santo”. (MAUÈS, 1995. p. 67).

As festas e romarias são uns espaços privilegiados para se observar o sincretismo religioso. Algumas, especialmente, estão marcadas por uma sobreposição de símbolos e significados que são acionados pelos mesmos atores de acordo com os seus interlocutores ou a ação estratégica a que se articula o seu discurso… A este entrelaçamento de entidades sagradas, símbolos e discursos, os estudiosos da religião têm denominado de sincretismo. E mais do que isso têm procurado encontrar explicação para o encontro das formas religiosas diferentes que estão presentes na mesma pessoa sem tenderem necessariamente para uma síntese.
(STEIL, 2001. P.30 e 31).

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Nesta época do ano em que os católicos celebram a Semana Santa, a religiosidade popular expressa seus ritos seculares. No sertão cearense, grupos de penitentes e de caretas circulam por ruas das cidades e por estradas de localidades rurais, mantendo viva a tradição e a cultura do lugar.

Enquanto a chuva renova a paisagem do interior, os sertanejos afloram a fé com as manifestações folclóricas e de religiosidade popular. Em Cedro, grupos de penitentes realizam caminhadas nos sítios rezando, cantando benditos e pedindo esmolas. Um deles, formado por 12 agricultores, percorre estradas de sítios e vilas rurais. Por onde passam o silêncio da noite é quebrado por rezas e cantos de benditos. Vestidos com 'opa', uma espécie de bata, com cruzes, em estilo de roupa medieval e na mão portando "cacho" (chicote com lâminas de ferro afiadas), os penitentes cumprem a tradição que chegou ao Cariri cearense em 1850 e se espalhou por regiões vizinhas.

Antônio Cipriano, que é decurião, isto é, o líder do grupo, diz que se esforça para manter vivo o ritual. "O que nós fazemos é penitência, tradição e obrigação", explicou. "Jesus sofreu por nossos pecados e nós rezamos para não cair em tentação".

Os penitentes são homens simples e abnegados, que mantêm a tradição. Identificam-se com crendices populares e dogmas religiosos. O ritual é próprio, e os benditos são cantados em voz alta, misturando agudos e graves, que ecoam nas estradas e casas do sertão nordestino noite adentro. Em frente às casas, o grupo canta e reza até que saia um morador para doar uma esmola. Às vezes, são convidados pelo dono da casa a entrar e rezar, abençoando o lar, a família, como forma de agradecimento ou para expressar pedido por graças.

Caretas

Outra tradição mantida na região são os grupos de caretas. Em Iguatu, há forte expressão que tem raiz no sítio Tipis. Em Cariús, o costume é mantido na localidade de Caipu e em outros sítios. No município de Umari, há um núcleo animado no sítio Logradouro. Outra cidade que mantém a tradição popular é Quixelô.

Os caretas são grupos de brincantes que saem às ruas e estradas nessa época do ano em busca de donativos para a tradicional brincadeira de malhação do judas, na noite de Sábado de Aleluia para o Domingo de Páscoa, quando os cristãos comemoram a ressurreição de Jesus Cristo.

Ao som de sanfona, zabumba e triângulo, os caretas percorrem ruas da cidade e localidades rurais. No sítio Logradouro, em Umari, o mestre Geraldo Ferreira de Araújo lembra que a tradição foi herdada dos pais e avós. "Hoje, é mantida pelos jovens", observou. "Os donativos são distribuídos para famílias carentes e servem para a brincadeira do sítio na malhação do judas". Eles usam máscaras, saiotes, paletós, camisas de mangas compridas e alguns calçam botas. A regra é fazer muito barulho e não ser identificado.

Renúncias

O Código de Direito Canônico diz que todas as sextas-feiras do ano e o período de Quaresma são tempos de penitência. A abstinência de carne ou de outro alimento deve ser observada pelos fiéis da Igreja Católica. No caso do Brasil, a Conferência Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) substitui essa privação por "outras formas de penitência, principalmente, obras de caridade e exercícios de piedade".

"Minha mãe dizia que o Padre Cícero jogava carne para os urubus e nem eles comiam. Era pecado", relembra a aposentada Maria de Jesus Pereira. A tradição popular do jejum, ao longo dos anos, vai se alterando. A vendedora autônoma Maria Alves, por exemplo, reproduz o que aprendeu com sua mãe e, durante a Quaresma, renuncia a carnes vermelhas nas quartas e sextas. "Os filhos até acham ruim", admite.

"Para mim, isso representa o que Jesus sofreu para nos salvar. Ele não se reclamou em momento algum. Então, isso não é nada demais, além de uma gratidão. É o mínimo", completa a vendedora. Já a assessora jurídica Vivianne Brasileiro, de 33 anos, se privou de carne nesse período há quatro anos. Ela acredita que isso foi uma experiência espiritual interessante. "Vi que estou pronta para qualquer renúncia", completa.

Véu quaresmal

Outra tradição desse período presente na liturgia católica é o costume de cobrir as imagens de santos e cruzes com panos, em sua maioria roxos, nos altares das igrejas, que foi refletida pela cultura popular e, hoje, se mantém presente nos altares das casas. A prática começa no Domingo de Ramos, que antecede a Semana Santa. Acredita-se que o costume tenha surgido na Gália, no século VII, quando, na época de Quaresma, se cobria e tirava da Igreja tudo que servia de ornato: cruzes, relicários, evangeliários. Na Itália, a prática era conhecida no século XI.

Os significados são os mais diversos. Alguns historiadores acreditam que o véu, "o pano de fome", recordava os fiéis da importância de jejuar. Outros acreditam que a Igreja antecipa o luto pela morte de Jesus, trazendo aos religiosos uma mortificação a sua visão. Por fim, outros pesquisadores acreditam que a coberta coloca Cristo como o centro da atenção durante a semana.

Em Juazeiro do Norte, a tradição perdura ainda nos altares populares, principalmente, nas casas próximas à Capela do Socorro e na subida da Colina do Horto. A comerciante Pedrina dos Santos Lima, por exemplo, ergueu um grande cobertor branco em toda parede, ocultando quadros e esculturas. É uma tradição que começou pela sua mãe, mas que não consegue explicar. "Desde pequena, eu a vi fazendo e continuei. Eu só tiro no domingo de Páscoa".

A costureira Estelina Faustino também herdou essa tradição. "Eu cubro na quarta-feira. A gente foi criada assim. Como as estátuas são as fisionomias dos santos, então tinha esse negócio de cobrir como se eles fossem os apóstolos e não vissem Jesus crucificado". Assim com o significado do ato de cobrir as imagens é diverso, a representatividade deles para os devotos, também. "Isso é desde o começo do mundo, porque nas Igrejas cobriam. Minha mãe, que era do tempo do Padre Cícero, fazia. Então acho importante manter a tradição", pontuou a dona de casa Terezinha Ferreira Leite, que mora na Rua do Horto.