Como era o Brasil antes da chegada da família real

A vinda da família real para o Brasil deu-se na passagem de 1807 para 1808 e foi resultado da guerra travada entre França e Reino Unido durante o período napoleônico. A transferência da corte ocorreu pela recusa de Portugal em obedecer as ordens da França e aderir ao Bloqueio Continental, instituído com o objetivo de prejudicar os ingleses, em 1806.

Com isso, o regente de Portugal, d. João, filho de d. Maria I, decidiu transferir toda a corte para o Brasil. Assim, o poder português instalou-se no Rio de Janeiro, resultando em transformações que tiveram influência fundamental no desencadeamento do processo de independência do Brasil, alguns anos depois.

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Contexto da vinda da família real para o Brasil

Como era o Brasil antes da chegada da família real
A invasão de Portugal, por ordem de Napoleão Bonaparte, foi o motivo que levou a corte portuguesa a mudar-se para o Brasil.

A transferência da corte portuguesa para o Brasil tem relação direta com os acontecimentos da Revolução Francesa e do período napoleônico. Desde o início da revolução, a existência dos regimes absolutistas na Europa foi severamente ameaçada. Após 10 anos do levante, Napoleão Bonaparte surgiu como governante da França.

Os acontecimentos da revolução reforçaram severamente a rivalidade entre França e Inglaterra na Europa, e isso se refletiu diretamente na relação de Portugal com esses dois países. Internamente, uma divisão muito grande instalou-se em Portugal, uns defendendo que o país se aproximasse da França, e outros defendendo a boa relação, estabelecida havia séculos, com o Reino Unido.

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Portugal, ainda no período revolucionário, assinou um acordo de proteção militar com os ingleses, mas, ainda assim, buscava manter publicamente uma posição neutra, de forma a não desagradar nenhuma das nações. Na medida em que a tensão crescia, o que d. João fez como medida cautelar foi reforçar as defesas do país na fronteira com a Espanha, entre 1804 e 1807, segundo pontuam as historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling|1|.

A ascensão de Napoleão Bonaparte só contribuiu para que a situação agravasse-se, pois o ímpeto expansionista e o desejo de reformular o mapa europeu do general reforçaram a polarização do continente. O regente, d. João (que só se tornou d. João VI em 1816), como mencionado, era constantemente pressionado, pelos apoiadores de franceses e ingleses, a tomar partido.

O motivo da vinda da família real para o Brasil

A partir de 1804, Napoleão “autocoroou-se” imperador francês, o que reforçou seu poder e ampliou a tensão na Europa. Antes disso, a situação já era apreensiva para Portugal, uma vez que os espanhóis haviam se aliado com os franceses, o que representava uma grande ameaça à soberania do território português. Em 1801, uma pequena guerra entre Portugal e Espanha, a Guerra das Laranjas, aconteceu e fez Portugal perder a cidade de Olivença para a Espanha.

Nessa derrota, os portugueses ainda foram obrigados a aceitar o seguinte termo dos franceses: fechar os portos de seu país para embarcações inglesas. O termo foi aceito, mas não foi colocado em prática. Incapaz de invadir a Inglaterra, Napoleão resolveu, a partir de 1806, estabelecer o Bloqueio Continental, o que determinou que os portos das nações europeias ficariam terminantemente fechados para embarcações inglesas.

Com o bloqueio, os portugueses começaram a ventilar a proposta de mudarem-se para o Brasil a fim de fugir do alcance de Napoleão. Portugal não aceitou aderir ao bloqueio porque as relações com os ingleses eram boas e estavam de pé por séculos. A situação estendeu-se até meados de 1807, quando Napoleão realizou um ultimato.

O ultimato de Napoleão determinou que Portugal deveria, até 1º de setembro, realizar as seguintes medidas: convocar seu embaixador que estava em Londres; expulsar o embaixador inglês de Lisboa; fechar os portos para navios ingleses; prender os ingleses em Portugal e confiscar os bens deles; e declarar guerra à Inglaterra|2|.

Seguiram-se semanas de negociação entre Portugal e França e Portugal e Reino Unido, mas não se chegou a nenhum entendimento. Os britânicos orientaram que, se os portugueses aceitassem integralmente os termos franceses, os dois países entrariam em guerra; já os franceses exigiam o aceite integral dos seus termos, caso contrário, invadiriam o território português, dividindo-o com a Espanha.

Como não houve solução, Napoleão ordenou o envio de tropas para invadir Portugal. Em 24 de novembro, d. João informou que as tropas francesas chegariam a Lisboa em até quatro dias e autorizou o início dos preparativos de uma viagem ao Brasil. A corte portuguesa tinha o compromisso dos ingleses de ser escoltada em segurança até o Brasil.

Viagem da corte portuguesa

Como era o Brasil antes da chegada da família real
Os preparativos para a viagem ao Brasil ficaram marcados pelo pânico e correria. Estima-se que até 15 mil pessoas tenham embarcado.

O embarque da corte portuguesa aconteceu entre os dias 25 e 27 de novembro de 1807. Em meio aos preparativos, o governo português realizou a transferência das instituições que administravam o país, portanto, tratava-se de uma missão muito grande para tão poucos dias. Nessa transferência, todas as pessoas que possuíssem algum papel no governo mudaram-se para o Rio de Janeiro com suas famílias.

As naus portuguesas que fizeram a transferência da corte reuniram de 10 mil a 15 mil pessoas, segundo os levantamentos feitos por diferentes historiadores. Lilia Schwarcz e Heloísa Starling dão a real dimensão do que foi essa vinda para o Brasil: “não eram indivíduos isolados que fugiam às pressas, e sim a sede do Estado português que mudava de endereço, com seu aparelho administrativo e burocrático, seu tesouro, suas repartições, secretarias, tribunais, arquivos e funcionários”|3|.

O regente de Portugal autorizou todos os seus súditos a mudarem-se para o Brasil, caso desejassem, mas se não houvesse espaço nas embarcações da corte, eles deveriam procurar meios próprios de vir para o Brasil. Todos os preparativos da mudança foram realizados às pressas, e, por isso, houve correria e pânico. Muita coisa que deveria ter embarcado foi deixada para trás, e os navios, abarrotados de gente, não tinham suprimentos suficientes para todos.

As embarcações portuguesas iniciaram a viagem para o Brasil no dia 29 de novembro de 1807, e, em alto-mar, encontraram-se com as quatro embarcações inglesas, que as escoltaram até o Brasil. Acredita-se que as embarcações que vieram ao nosso país trazendo a corte eram cerca de 15 (há desencontro nas informações). No fim do dia 29, as tropas francesas entravam em Lisboa e eram formadas por cerca de seis mil soldados.

Os problemas na viagem foram muitos. A citada superlotação fez com que alimentos e água fossem racionados; não havia dormitórios e camas para todos, e os problemas de higiene era muitos. Estes resultaram em um surto de piolhos que forçou as mulheres rasparem seus cabelos.

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Período Joanino

Como era o Brasil antes da chegada da família real
O regente de Portugal, d. João, foi quem ordenou a vinda da corte portuguesa para o Brasil. [1]

A viagem da corte portuguesa estendeu-se por 54 dias, e, no dia 22 de janeiro de 1808, a embarcação de d. João chegou a Salvador. Da antiga capital do Brasil, d. João já tomou a primeira medida que mudaria o curso da história brasileira: ele decretou a abertura dos portos às nações amigas, no dia 28 de janeiro.

Depois de uma breve estadia em Salvador, d. João foi para o Rio de Janeiro, chegando lá no dia 8 de março. As outras embarcações foram chegando nos dias seguintes (uma tempestade havia separado elas). A chegada da corte ao Brasil inaugurou o Período Joanino, durante o qual d. João esteve no Brasil. A abertura dos portos foi apenas a primeira de várias medidas tomadas pelo regente português e que mudaram radicalmente a história brasileira.

Notas

|1| SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloísa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 154.

|2| Idem, p. 157.

|3| Idem, p. 163.

Créditos das imagens

[1] StockPhotosArt e Shutterstock

Por Daniel Neves
Professor de História

A vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, está ligada diretamente à Era Napoleônica. A ameaça do imperador francês de invadir o reino de Portugal e a dívida econômica com a Inglaterra fizeram com que o príncipe regente Dom João VI decidisse pela fuga para o Brasil. O desembarque da Coroa em terras brasileiras trouxe mudanças no cotidiano colonial e acelerou o processo de independência do Brasil.

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Contexto histórico da vinda da família real para o Brasil

A Europa do início do século XIX foi dominada pelo império francês liderado por Napoleão Bonaparte. Logo após o fim da Revolução de 1789, a França avançava seu domínio pelo velho continente. No entanto, para Napoleão Bonaparte, a Inglaterra era o principal entrave para o desenvolvimento francês e o domínio econômico da Europa.

O imperador decretou, em 1806, o bloqueio continental, uma medida que proibia os países europeus de comercializarem com os ingleses. Dessa forma, Napoleão esperava impor uma derrota econômica à sua inimiga e assumir o seu posto de maior potência econômica do continente. Quem não aderisse ao bloqueio teria o seu reino invadido pelas tropas napoleônicas.

Como era o Brasil antes da chegada da família real
A família real embarcou, em novembro de 1807, para o Brasil.

Por que a família real veio para o Brasil?

Portugal já não era mais um reino promissor como nos tempos das grandes navegações. No início do século XIX, os portugueses enfrentavam uma crise econômica e dependiam dos empréstimos vindos da Inglaterra. Em 1806, quando Napoleão Bonaparte decretou o bloqueio continental, Dom João VI viu-se em um impasse. Caso acatasse as ordens da França, os ingleses cobrariam as dívidas, se ficasse do lado da Inglaterra, veria seu reino invadido pelas tropas francesas. A decisão do príncipe regente foi negar o bloqueio à Inglaterra, ou seja, não cumprir as ordens de Napoleão.

Para a Inglaterra, esse gesto português foi muito vantajoso. Se no continente europeu seus negócios estavam em crise, o mercado consumidor brasileiro transformou-se em seu alvo predileto. A família real portuguesa deixou o reino na Europa fugindo para o Brasil para não ter que lutar contra a invasão francesa, atravessando o Atlântico sozinha. Não obstante, a marinha inglesa fez a segurança do traslado da Coroa até sua colônia na América. Dessa forma, a dependência de Portugal com a Inglaterra seria uma das heranças que os portugueses deixariam para os brasileiros logo após a independência, em 1822.

O embarque da família real deu-se em novembro de 1807 e foi feito de forma desorganizada. Os portugueses que não embarcaram na frota real sentiram-se desamparados e temiam a chegada das tropas napoleônicas a Lisboa. Para o Brasil não foi apenas a família real, mas todo o seu aparato burocrático. A travessia atlântica não foi a mais confortável possível. Em 22 de janeiro de 1808, a família real desembarcou em Salvador, Bahia, antiga capital colonial, e ficou por ali alguns dias. Logo em seguida, a viagem prosseguiu pelo litoral brasileiro e, em 8 de março, a Corte desembarcou no Rio de Janeiro.

A capital da colônia não tinha espaço e nem estrutura para receber a Coroa. Várias casas foram desapropriadas para acomodar os funcionários da família real. Além disso, as despesas com os custos dos novos moradores do Brasil fizeram aumentar os impostos, provocando revoltas entre os colonos, como a Revolução Pernambucana, em 1817.

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Como era o Brasil antes da chegada da família real
O rei Dom João VI viveu 12 anos no Brasil, comandando o império português de sua colônia na América.

Período Joanino

Os anos que Dom João VI ficou no Brasil são denominados pela historiografia como Período Joanino. Esse período estende-se de 1808, quando a família real desembarcou em terras brasileiras, até 1820, quando o rei português retornou para a Europa. Nesses 12 anos, o Brasil passou por várias transformações que aceleraram seu processo de independência e tiveram impacto nos rumos do país nos anos seguintes.

Pela primeira vez na história, uma família real abandona o seu reino na Europa e vai morar em sua colônia, um lugar distante, separado por um imenso oceano. Aconteceu o fenômeno que, na história, chama-se inversão colonial: o império português, a partir de 1808, foi governado de uma colônia americana. Vários órgãos públicos foram criados para auxiliar a administração de Dom João VI no Rio de Janeiro.

Uma das primeiras medidas tomadas pelo rei foi a abertura dos portos brasileiros a nações amigas. Dessa forma, o pacto colonial foi quebrado. O Brasil não teria mais obrigação de comercializar apenas com a sua metrópole, ou seja, com Portugal. A partir dessa abertura, outros produtos começaram a ser comercializados aqui.

A Inglaterra foi a principal beneficiada com essa medida porque seus produtos adentraram no mercado brasileiro pagando imposto mais baixo do que o cobrado sobre as mercadorias portuguesas. Outra medida adotada por Dom João VI foi elevar o Brasil à condição de Reino Unido. Assim, o país deixava de ser colônia, mas ainda não era totalmente independente.

Nem todo francês era inimigo de Portugal. Dom João VI trouxe uma missão francesa para o Brasil composta por artistas e cientistas cujo objetivo era retratar a paisagem brasileira em pinturas e estudar a fauna e a flora da região. Essa missão gerou impacto na cultura da colônia por meio da construção da Escola de Belas Artes no Rio de Janeiro. Inúmeros artistas franceses trabalharam nessa escola para ensinar as novas tendências artísticas europeias.

A economia colonial também passou por mudanças. Dom João VI inaugurou o primeiro banco público da nossa história: o Banco do Brasil. O primeiro objetivo do banco era incentivar a produção manufatureira. Antes de embarcar de volta para Portugal, Dom João levou consigo todo o dinheiro depositado no banco.

Em 1824, a Revolução do Porto provocou mudanças significativas na política portuguesa. O fim da Era Napoleônica na Europa promoveu a restauração dos reinos que foram ocupados pelas tropas francesas. Portugal, restaurado, procurava restaurar a colônia brasileira e anular a elevação do Brasil a Reino Unido. Além disso, exigia-se o retorno de Dom João VI para a metrópole e sua assinatura na Constituição que estava em elaboração. Em 1821, ele retornou para a Europa e deixou seu filho, Pedro I, como príncipe regente. Antes de embarcar de volta para Portugal, Dom João VI teria deixado o seguinte recado para seu filho:

“Pedro, o Brasil brevemente se separará de Portugal: se assim for, põe a coroa sobre tua cabeça, antes que algum aventureiro lance mão dela."

Consequências da vinda da família real para o Brasil

A vinda da família real trouxe significativas mudanças para o Brasil no começo do século XIX. Pode-se citar sua elevação a Reino Unido, o que lhe garantia relativa autonomia, mas não a independência total. A entrada de produtos ingleses por causa da abertura dos portos promoveu aumento na atividade comercial. O surgimento da imprensa possibilitou a maior circulação de ideias no Brasil, aumentando a discussão sobre a independência e as decisões políticas.

A presença da Coroa portuguesa determinou a forma como se desenvolveu o processo de independência do Brasil. As tentativas dos portugueses de manterem a sua colônia na América acabaram por unir as forças no Brasil pela sua independência. Dom Pedro I tornou-se líder desse processo e, rejeitando qualquer tentativa de recolonização, proclamou a independência no dia 7 de setembro de 1822.

Resumo sobre a vinda da família real para o Brasil

  • A vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808, é resultado da invasão das tropas de Napoleão Bonaparte em Portugal devido ao não cumprimento do bloqueio continental.
  • Mudanças no Brasil Colônia: abertura dos portos, elevação a Reino Unido, missão artística francesa, Revolução do Porto.
  • Dom João VI voltou para Portugal, mas deixou seu filho, Pedro I, para liderar o processo de independência do Brasil.

Exercícios resolvidos

Questão 1 – Assinale a alternativa que corretamente aponta a causa da vinda da família real portuguesa para o Brasil em 1808:

A) invasão das tropas napoleônicas após o não cumprimento do bloqueio continental por Portugal.

B) invasão da Inglaterra para reivindicar o pronto pagamento das dívidas de Portugal.

C) invasão das tropas espanholas, que desejavam restaurar a União Ibérica.

D) deposição de Dom João VI por republicanos em 1808.

Resolução

Alternativa A. Como Portugal não cortou os laços comerciais com a Inglaterra como determinava o bloqueio continental, Napoleão Bonaparte ordenou a invasão das tropas francesas no reino de Portugal, o que motivou a fuga da família real para o Brasil.

Questão 2 – Assinale a alternativa que corretamente indica uma mudança provocada pela vinda da família real portuguesa para o Brasil:

A) criação do Banco de Portugal.

B) independência do Brasil.

C) criação do Banco do Brasil.

D) fim do tráfico negreiro.

Resolução

Alternativa C. Dom João VI determinou a criação do Banco do Brasil para incentivar a produção manufatureira no Brasil. O banco financiou os custos da família real e do seu corpo burocrático.