Como John Locke se manifestou acerca dos direitos do estado e das pessoas em geral

John Locke (1632-1704) foi filósofo inglês, um dos mais importantes filósofos do empirismo. Exerceu grande influência sobre vários filósofos de sua época, entre eles, George Berkeley e David Hume.

Seu discípulo Francês, Etienne Condilac, usou sua teoria empírica para criticar a metafísica, no século seguinte.

Como representante do individualismo liberal, defendeu a monarquia constitucional e representativa, que foi a forma de governo estabelecida na Inglaterra, depois da Revolução de 1688.

Como John Locke se manifestou acerca dos direitos do estado e das pessoas em geral
Retrato de John Locke por Godfrey Kneller (1697)

John Locke nasceu em Wrington, Somerset, Inglaterra, no dia 29 de agosto de 1632. Era filho de um pequeno proprietário de terras, que serviu como capitão de cavalaria.

Estudou Filosofia, Medicina e Ciência Naturais na Universidade de Oxford, onde depois lecionou filosofia, retórica e grego. Estudou as obras de Francis Bacon e René Descartes.

Em 1683, Locke muda-se para a Holanda, e só retorna à Inglaterra em 1688, após o restabelecimento do protestantismo e a subida ao trono de Guilherme, Príncipe de Orange.

Em 1695, foi nomeado membro do Parlamento, permanecendo no cargo até 1700. John Locke faleceu em Harlow, Inglaterra, no dia 28 de outubro de 1704.

A Filosofia de John Locke

Um dos maiores empiristas britânicos, Locke afirmava que o conhecimento era proveniente da experiência, tanto de origem externa, nas sensações, quanto nas internas, através das reflexões.

Explicava que antes de percebermos qualquer coisa, a mente é como uma folha de papel em branco mas, depois que começamos a perceber tudo em volta, surgem as "ideias sensoriais simples".

Essas sensações são trabalhadas pelo pensamento, pelo conhecimento, pela crença e pela dúvida, resultando no que Locke chamou de "reflexão". A mente não é um mero receptor passivo. Ela classifica e processa todas as sensações à medida que vai formando nossos conhecimentos e nossa personalidade.

A Política segundo John Locke

Locke defendia a liberdade intelectual e a tolerância. Foi precursor de muitas ideias liberais, que só floresceram durante o iluminismo francês no século XVII. Locke criticou a teoria de direito divino dos reis, formulada pelo filósofo Thomas Hobbes.

Para Locke, a soberania não reside no Estado, mas sim na população. Afirmava que, para assegurar um Estado de direito, os representantes do povo deviam promulgar as leis e o rei ou o governo executá-las.

Assim, apresentou uma teoria de divisão de poderes, que propunha o equilíbrio entre o rei e o parlamento.

Obras de John Locke

  • Cartas sobre a tolerância (1689)
  • Dois tratados sobre o governo (1689)
  • Ensino acerca do entendimento humano (1690)
  • Pensamentos sobre a educação (1693)

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Contexto histórico

O período no qual os contratualistas ingleses Thomas Hobbes (1588-1679) e John Locke (1632-1704) produziram suas obras é marcado por intensos e determinantes conflitos de ordem política e religiosa, de modo que se faz necessário um preâmbulo histórico a fim de contextualizá-los.

O rei Henrique VIII, da dinastia Tudor, era casado com a nobre espanhola Catarina de Aragão, que deu-lhe uma filha, Maria I, mas ficou impossibilitada de ter outros filhos, o que colocava o trono inglês potencialmente em risco. Diante dessa situação, Henrique VIII solicitou ao papa a anulação do seu casamento, que foi negada. A despeito da recusa papal, o rei anulou por si próprio seu casamento, desposou Ana Bolena e foi excomungado. Ato contínuo, reagiu com a criação, em 1534, de uma Igreja nacional, a igreja anglicana, da qual se fez chefe.

Em meio às complexas questões nas quais se misturavam a política e a religião, em meio às inúmeras controvérsias entre católicos, anglicanos e puritanos (protestantes não anglicanos), a sociedade civil acabou ganhando força, “criando-se a tradição de se limitar o poder do monarca através de uma assembleia de representantes que se tornaria o embrião do parlamento moderno[1]”; o que não se deu, porém, sem forte resistência dos que defendiam o absolutismo.

Ao proclamar que o poder do monarca é de origem divina, James I (1566-1625) foi teoricamente contestado por vários pensadores, dentre eles Francisco Suarez (1548-1617) e, posteriormente, John Locke. Este último, na verdade, contestou especificamente o livro Patriarcha, de Robert Filmer (1588-1653), que fundamentava a doutrina de James I. O governo de Charles I, filho de James I, encontrou bastante resistência e o confronto entre parlamento e rei resultou em uma guerra civil que se estendeu de 1642 a 1646, tendo por resultado a execução de Charles I (1649) e a extinção da monarquia.

Já vimos que, no contexto dessa guerra civil, Thomas Hobbes reivindicou teoricamente um poder soberano, absoluto, despótico, embora não o fundamentasse na teoria do direito divino dos reis. No pensamento de Hobbes, qualquer questionamento da autoridade do rei, qualquer divisão de poder, conduz ao enfraquecimento do Estado e consequentemente à guerra civil. Ora, nesse aspecto, como em muitos outros, o pensamento de John Locke foi-lhe antípoda.

Mas sigamos as vicissitudes da história da Inglaterra. Veremos que, após a extinção da monarquia, o país foi governado entre 1653 e 1658 pela ditadura de Oliver Cromwell (líder dos puritanos), a cuja morte sucede uma restauração da monarquia por Charles II e depois por James II, que era católico.

A tentativa de James II de prolongar a permanência de um rei católico contraindo segundo matrimônio com uma princesa católica, de quem teve um filho, deu ensejo para a Revolução Gloriosa, de 1688, “que coloca no poder a filha protestante do primeiro casamento de James II, a rainha Mary II (1662-1694), casada com seu primo Guilherme de Orange (1650-1702), que, com o título de William III, assumiu o trono juntamente com sua esposa.[2]”

Quando a Câmara dos comuns, vitoriosa, traz de volta, para assumir o poder, Guilherme de Orange, que estava refugiado na Holanda, deixa claro que tal poder era por ela conferido e que seria por ela monitorado. Dali em diante, instaura-se definitivamente na Inglaterra a monarquia constitucional.

John Locke, que não por acaso retornou à Inglaterra no mesmo navio que transportava Guilherme de Orange, havia participado ativamente da revolução gloriosa, para cujo desfecho muito contribui a sistematização das ideias liberais concebidas na obra Dois tratados sobre o governo, publicada em 1689, mesmo ano em que “o Parlamento vota a declaração de direitos (Bill of Rights), que se tornaria, juntamente com a Carta Magna, um dos mais importantes documentos políticos da época moderna, consagradores do denominado Estado de Direito.[3]”

Dois tratados sobre o governo

O primeiro dos Dois tratados sobre o governo civil, de John Locke, ocupa-se da refutação da obra Patriarca (1680), de Sir Robert Fimer, que defendia a monarquia absoluta e a origem divina do poder do monarca. Tendo refutado no primeiro tratado a teoria do direito divino dos reis, Locke oferecerá, no Segundo Tratado, um novo fundamento para o governo civil.

Diferentemente de Hobbes, Locke não equipara estado de natureza com estado de guerra. No estado de natureza há a lei natural, que não está restrita à necessidade de autopreservação, mas vai além. Todo homem é obrigado a preservar a si mesmo, mas todo homem é obrigado também a preservar, tanto quanto puder, a própria humanidade: “O estado de natureza tem uma lei de natureza para governa-lo, que a todos obriga; e a razão, que é essa lei, ensina a todos os homens que […] sendo todos iguais e independentes,  nenhum deles deve prejudicar a outrem na vida, na saúde, na liberdade ou nas posses[4]” [§ 6].

O estado de natureza não é, para Locke, a condição de guerra de todos contra todos supostamente existente antes do advento da sociedade civil, mas um estado no qual a liberdade natural do homem é limitada tão somente pela lei natural, não havendo poder decisório para o qual se possa apelar em caso de conflito. Nesse sentido, Locke se insere na tradição antiga que pensa o estado de natureza como um estado já social (embora não civil). É um estado no qual os homens vivem juntos segundo a razão sem um superior comum com autoridade para julgar potenciais conflitos. Sendo assim, o estado de natureza de Locke não é tão violento quanto o de Hobbes e, consequentemente, os remédios propostos por ambos para os inconvenientes do estado de natureza não terão a mesma dosagem.

Locke tem clareza de que o poder absoluto e arbitrário de um poderoso Leviatã acarretaria uma situação pior que o próprio estado de natureza. Diferentemente do que se configura em Hobbes, o pacto social não se estabelece com a renúncia por parte dos indivíduos de sua liberdade em favor do Estado, a fim de dele obter proteção. Como o estado de natureza, para Locke, é um estado precário, mas não fatal, o pacto social não se estabelece num movimento radical, irrevogável e absoluto.

O único direito ao qual o indivíduo renuncia em troca da proteção do Estado é o seu direito de julgar e punir o erro dos outros, excetuando-se ainda os casos imediatos de legítima defesa. Não se trata, pois, na passagem do estado de natureza para o Estado civil, de um movimento de pânico em defesa da vida, mas de uma associação entre indivíduos livres a fim de salvaguardar a tranquilidade e a prosperidade, por meio da proteção mútua de suas vidas, suas liberdades e seus bens, que Locke designa com um nome geral de “propriedade[5]”

Vida, liberdade e bens

Esse conjunto (vida, liberdade e bens), ao qual Locke chama “propriedade”, designa um todo inseparável que pode ser traduzido por “domínio próprio” e a construção desse conceito passa pela relação que Locke estabelece entre corpo, trabalho e propriedade privada. O trabalho seria uma extensão do corpo e da posse que cada um tem de seu próprio corpo se deduz a posse dos materiais modificados por ele. Graças ao trabalho, o homem adquire o direito à propriedade, direito esse, portanto, que é natural e anterior à sociedade civil, embora não inato.

É dado ao homem, segundo Locke, apropriar-se, por meio do trabalho, de frações da natureza. Se o trabalho “atribui a maior parte do valor à terra, sem o qual dificilmente valeria coisa alguma[6]”, o homem adquire, por meio dele, o direito à propriedade. Trabalho e propriedade não se encontram, pois, em relação de oposição, mas de frutífera interdependência: o trabalho é a origem e o fundamento da propriedade, sendo evidente que “embora a natureza tudo nos ofereça em comum, o homem, senhor de si próprio e proprietário de sua pessoa e das ações ou do trabalho que executa, teria ainda em si mesmo a base da propriedade.[7]”

É justamente a fruição da propriedade e a prosperidade dela advinda que estaria em constante ameaça no estado de natureza e é para defendê-la que se estabelece o pacto social. Não como um contrato entre governantes e governados, mas como acordo mútuo entre homens livres. Sendo assim, “o objetivo grande e principal, portanto, da união dos homens em comunidades, colocando-se sob governo, é a preservação da propriedade.[8]” É, pois, a teoria da propriedade que explica, em Locke, a necessidade de transição do estado de natureza para a sociedade civil.

Liberdade e lei 

A noção de liberdade sob o império da lei não é uma originalidade de Locke. Na verdade, essa doutrina, que está no âmago do liberalismo clássico, remete à própria tradição clássica, desde as primeiras formulações políticas da Grécia Antiga, mais especificamente nas concepções que forjaram o Estado jurídico ateniense. O que Locke fez foi dar-lhe maior clareza e aprofundamento, em uma linguagem mais em acordo com os pressupostos próprios da modernidade. De todo modo, a liberdade segundo Locke é a liberdade segundo as mais tradicionais correntes liberais, servindo, inclusive, como pedra de toque para distinguir as tendências realmente liberais daquelas que se desviaram para um democratismo ou progressismo.

A liberdade não consiste em poder fazer tudo, mas em não estar submetido ao poder arbitrário de outrem; não se trata propriamente de um poder, mas de um tipo de relação social contrário à coerção.  Em decorrência dessa definição, o próprio Estado é um governo de leis, não de homens: é uma situação do Estado de Direito, de rule of law.

“Como em todos os estados de seres criados capazes de leis, onde não há lei não existe liberdade. […] Mas a liberdade não é, como nos dizem, licença para qualquer um fazer o que bem lhe apraz – porquanto quem estaria livre, se o capricho de qualquer outra pessoa pudesse dominá-lo? Mas liberdade de dispor e ordenar, conforme lhe apraz a própria pessoa, as ações, as posses e toda a sua propriedade, dentro da sanção das leis sob as quais vive, sem ficar sujeito à vontade arbitrária de outrem, mas seguindo livremente sua própria vontade”.[9]

Conclusão

O filósofo inglês John Locke destacou-se, em polo oposto a Hobbes, como crítico do Absolutismo. Considerado pai do liberalismo, Locke pretendia que o Estado fosse limitado e vigiado, precisamente para evitar que um poder excessivo avançasse sobre os direitos naturais dos indivíduos: direito à vida, à liberdade e à propriedade. Para Locke, todo governo deve ser limitado em seus poderes, existe somente pelo consentimento dos governados e deve ser regido por leis claras, gerais, públicas, não retroativas, estáveis e iguais para todos.

Essas ideias de Locke exerceram bastante influência em todo o pensamento político ocidental. Na sua época, os seus Dois Tratados serviram como justificação e fundamentação da Revolução Gloriosa, que estabeleceu na Inglaterra a monarquia constitucional. Posteriormente, no século XVIII, iluministas franceses colheram em suas ideias motivos para derrubar o Ancién Regime, Montesquieu nele se inspirou para a formulação da teoria da divisão dos poderes e pensadores americanos foram por ele influenciados na luta pela independência dos Estados Unidos. Suas teses estão na base das democracias liberais e no coração do liberalismo moderno.  

Referências bibliográficas

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Abril Cultural, 1978 (Os pensadores)

PAIM, Antonio. Evolução histórica do liberalismo. São Paulo: LVM editora, 2019

NEMO, Philippe. Histoire des idées politiques politiques aux temps moderne et contemporains: Quadrige/PUF, 2002, Paris

STRAUSS, Leo História da filosofia política/Leo Strauss e Joseph Cropsey. Rio de Janeiro: Forense, 2013.

[1] PAIM, A. Evolução histórica do liberalismo. São Paulo: LVM editora, 2019.p. 59

[2]Idem, p. 60

[3] Idem p. 60

[4] LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo,

[5] Cf LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo,

[6] LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo §43

[7] Idem §44

[8] Idem §124

[9] LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. §57