Comparação governo dilma e bolsonaro

Daniel Tozzi Mendes, especial para o Estadão

22 de março de 2022 | 13h05

Uma postagem que viralizou no Facebook engana ao comparar o valor do botijão de gás nos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do presidente Jair Bolsonaro (PL). O post menciona que, com Lula, o gás de cozinha custava R$ 35 e, com Bolsonaro, custa R$ 120. Mas a comparação usa valores nominais do botijão, sem considerar a inflação no período. O produto custava R$ 35 em abril de 2009, mas esse preço atualmente corresponde a R$ 74,25, em valores corrigidos pelo IPCA. Ou seja: a diferença existe, mas é menor do que sugere a postagem.

Atualmente, a média nacional do preço do botijão é de R$ 112,54, patamar abaixo do atribuído ao governo Bolsonaro na postagem. De fato, em alguns locais, o item é vendido a mais de R$ 120 — em Mato Grosso, chega a R$ 160. O valor atual do gás de cozinha representa aumento de 35% em relação ao praticado há um ano.

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O economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Henrique Castro explica que a comparação de valores em datas muito distantes não pode ser feita a partir dos valores nominais registrados em cada período. “O correto é comparar ainda tendo em vista um segundo parâmetro ou índice”, diz. “Uma possibilidade é calcular qual seria esse preço em relação ao salário mínimo de cada época, para fornecer a medida do real poder de compra da população em relação ao item. Outra forma seria corrigir o valor do período mais antigo pela inflação acumulada até hoje, para evitar distorções”, acrescenta o professor.  

Valores nominais

Lula governou o Brasil de 2003 a 2010. Para consultar os valores do botijão de gás ao longo de seu mandato, o Estadão Verifica consultou a página de preços do item disponível no site da Agência Nacional de Petróleo (ANP). Considerando os preços registrados no mês de dezembro de cada ano, os valores do botijão de gás no mandato de Lula evoluíram da seguinte maneira: R$ 28,80 (2003); R$ 29,97 (2004); R$ 30,18 (2005); R$ 33,02 (2006); R$ 32,76 (2007); R$ 33,08 (2008); R$ 38,21 (2009) e R$ 38,30 (2010). De acordo com a mesma consulta, no governo Lula, o valor mais próximo ao mencionado na postagem (R$ 35) foi registrado entre abril (R$ 34,82) e maio de 2009 (R$ 35,23). 

Já durante o governo Bolsonaro, utilizando o mesmo método, os valores do botijão de gás ao final de cada ano variaram entre: R$ 69,24 (2019); R$ 74,75 (2020) e R$ 102,32 (2021). Após os últimos reajustes de preços da Petrobras, o valor da média nacional do botijão está em R$ 112,54

Correção dos valores pela inflação

Conforme explicou o professor Henrique Castro ao Estadão Verifica, a correção pela inflação indica o quanto esse item custaria hoje se ele fosse reajustado de acordo com a variação média de todos os demais produtos ao longo do período. Isso porque uma determinada quantidade de dinheiro no passado não tem o mesmo valor nos dias de hoje, justamente pelo impacto da inflação. 

Assim, tomando como base abril de 2009, período em que o gás de cozinha no Brasil esteve mais próximo de custar R$ 35, é possível mensurar qual seria esse valor hoje corrigido pela inflação, a partir de uma calculadora do Banco Central. O cálculo mostra que, entre abril de 2009 e fevereiro de 2022 (último mês com dados consolidados disponíveis), a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 112,2%. Dessa forma, o preço do botijão de gás corresponde hoje a R$ 74,28Ou seja, trata-se de um valor inferior ao patamar registrado hoje (R$ 112,54), mas cuja diferença é consideravelmente menor do que a mostrada na postagem.

Comparação por poder de compra

Uma outra alternativa para fornecer uma comparação mais próxima da realidade é consultar o poder de compra do brasileiro nos dois períodos analisados. “Essa comparação dá uma ideia do real poder de compra da população, e pode ser feita tanto a partir da análise de uma renda média do brasileiro, mas também pelo valor do salário mínimo, que funciona muito bem para essa situação”, explica o professor Henrique Castro. “A ideia do cálculo é saber se com o valor do salário mínimo a gente compra mais ou menos botijões hoje. Se é preciso gastar uma parcela maior ou menor do salário mínimo para comprar a mesma quantidade de botijões de gás”, acrescenta. 

Em abril de 2009, o valor do salário mínimo no Brasil era de R$ 465. Assim, com o botijão de gás a R$ 35, é possível dizer que o item representava 7,5% do salário mínimo. Levando em consideração que o botijão hoje custa R$ 112,54 e que o salário mínimo atual é de R$ 1.212, o gás de cozinha representa 9,2% do salário mínimo

Nesta comparação, é importante considerar a valorização do salário mínimo ao longo do período analisado. Conforme o Estadão Verifica demonstrou em checagem recente, durante o governo de Lula, o salário mínimo passou de R$ 200 para R$ 510; com Dilma Rousseff (PT, 2010-2016), de R$ 510 para R$ 880; e com Michel Temer (MDB, 2016-2018), de R$ 880 para R$ 954. Na gestão de Bolsonaro (2019-atual), o mínimo foi de R$ 954 a R$ 1.212.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) disponibiliza uma série histórica sobre o ganho real do salário mínimo a cada ano, descontando da inflação. O maior ganho real ocorreu durante os mandatos de Lula e Dilma. A partir de 2015, o reajuste do salário mínimo passou a acompanhar a perda do poder de compra da moeda. O valor voltou a crescer acima do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) em 2019, primeiro ano de mandato de Bolsonaro. Desde então, o salário mínimo foi reajustado sem ganhos reais por três anos consecutivos.

Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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Jair Bolsonaro tentará velhas estratégias para desgastar Lula e o PT | Foto: Sergio Lima/AFP

O presidente Jair Bolsonaro (PL) deve investir cada vez mais em comparações de seu mandato com o governo Dilma Rousseff (PT), como parte de sua estratégia eleitoral contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

De acordo com interlocutores, o plano é agir para ressuscitar os anos Dilma na memória do eleitorado e acenar para um público que se mobilizou pelo impeachment da petista ao longo de 2015.

O plano já tem sido colocado em prática pelo mandatário em declarações recentes: ressaltar índices negativos registrados na administração da petista para defender dados adversos divulgados em seu próprio governo.

Com essa essa ação, Bolsonaro também quer evitar que o PT transforme a campanha presidencial numa comparação dos oito anos de Lula no poder com o atual presidente. Lula deixou o Palácio do Planalto em 2010 com altas taxas de aprovação e baixo desemprego.

Apelo para má condução da economia 

A ideia de Bolsonaro é reforçar que o período petista no poder também compreende a gestão Dilma e que a recessão iniciada em seu mandato tem reflexos até hoje.

A avaliação de aliados de Bolsonaro é que o PT vai tentar esconder a crise econômica desencadeada no governo da sucessora de Lula e que é preciso evitar que a gestão Dilma não esteja presente no debate eleitoral.

Em entrevista a uma rádio do Espírito Santo na segunda-feira (17), Bolsonaro investiu contra a administração da petista.

"[Em] 2014, 2015, o Brasil perdeu 2,5 milhões de empregos. Quando se fala emprego, é com carteira assinada, que tem um controle por parte de órgãos do governo federal. E não teve pandemia, não teve nada. Era o governo do PT, da senhora Dilma Rousseff", disse Bolsonaro.

No dia seguinte, em conversa com apoiadores, ele insistiu no argumento.
"Deus nos salvou do socialismo. Garotada, que em grande parte apoia, não sabe o que foi este governo aqui, fica gritando aquele papo furado, falando de inflação. Inflação, sim, tem inflação. O mundo todo está com inflação. Tivemos inflação de 10% com a Dilma, não teve pandemia, nada. Nós tivemos 10% com pandemia", afirmou.

Ressuscitando o fantasma do comunismo 

A referência ao socialismo não é por acaso. Auxiliares afirmam que um dos motes da campanha deve ser tentar repetir a fórmula já empregada em 2018: tachar seus adversários, da centro-direita à esquerda, de comunistas e socialistas.

Em 19 de janeiro, houve nova estocada em Dilma. "Eu decidi disputar a Presidência depois da eleição da Dilma. Poxa vida, alguém tem de fazer alguma coisa. Era um deputado, para ser educado, do baixo clero", afirmou.

Na semana anterior, ele já havia destacado a inflação registrada durante o mandato de Dilma para se defender das críticas pela alta dos preços de 2021 medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Nos 12 meses do ano passado, o IPCA acumulou variação de 10,06%.

"Olha só, se não me engano em 2014 ou 2015 a inflação foi de 10% também. Me aponte qual crise aconteceu nesses dois anos? Não teve crise nenhuma. Nós tivemos aqui a questão da Covid", disse Bolsonaro na ocasião.

Realidade se impõe na gestão Bolsonaro

Assessores presidenciais destacam que a inflação é um dos principais obstáculos para a reeleição de Bolsonaro.

Nesse sentido, ele pretende endossar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que atropela a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e permite, sem necessidade de compensação, o corte temporário de tributos sobre combustíveis e energia elétrica.

O presidente busca terceirizar as responsabilidades pela inflação. Ele tem dito que o aumento de preços ocorre no mundo todo e que, no Brasil, a culpa é de governadores que adotaram quarentenas para conter a Covid-19.

Bolsonaro é vetor de desinformação sobre a pandemia e afirma que o ideal era derrubar as restrições de circulação, ainda que a doença tenha matado mais de 620 mil pessoas no Brasil.

O atual presidente é o segundo colocado nas pesquisas para eleição ao Planalto deste ano, atrás de Lula. Em eventos recentes, Bolsonaro também tem apontado como méritos de sua gestão a oposição a grupos que apoiam as candidaturas petistas, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).

"Todos devem se lembrar que tínhamos algumas dificuldades no passado. Por exemplo, a atuação do MST. Nós praticamente anulamos as ações do MST", disse o presidente na segunda, em evento com representantes do agronegócio.

Para o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), Bolsonaro sabe das fragilidades a serem exploradas contra o PT por já ter disputado um segundo turno contra o partido – contra Fernando Haddad, em 2018.

"O presidente Bolsonaro disputa a eleição contra aqueles candidatos que se apresentarem. Como já foi ao segundo turno com o PT, ele sabe exatamente as fragilidades a serem exploradas contra o seu adversário [Lula]. Eu vejo que há uma lógica à comparação do mundo real, dos fatos concretos, de como as coisas aconteceram", afirmou à Folha.

A estratégia bolsonarista ocorre em meio a sinalizações do PT de que Dilma deve permanecer em segundo plano na campanha. O partido ainda discute que papel dar à ex-presidente na corrida eleitoral.

PT também escanteou Dilma

Recentemente, um dos vice-presidentes do partido, Washington Quaquá, disse que Dilma não tinha mais relevância eleitoral. Ela tampouco foi convidada para o jantar que sacramentou a aproximação entre Lula e Geraldo Alckmin (ex-PSDB), possíveis aliados e m uma chapa presidencial.

Em 2016, ao ler voto favorável ao impeachment da Dilma em votação na Câmara, o então deputado Bolsonaro fez apologia ao torturador Brilhante Ustra.

A ex-presidente foi torturada durante a ditadura militar. O voto foi repudiado por diversas instituições, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

"Perderam em 64. Perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve. Contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff", disse Bolsonaro.

Morto em outubro de 2015, Ustra foi chefe do DOI-Codi em São Paulo, órgão de repressão política, e o primeiro militar condenado pela Justiça como torturador. 

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