O professor, COMO profissional da voz, deve

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Jornalismo

PorCamila Camilo

01/06/2012

O professor, COMO profissional da voz, deve
Crédito: Getty Images

O professor faz parte de uma das categorias profissionais que mais se comunicam oralmente durante o trabalho. Todos os dias, fala por várias horas para cerca de 30 pessoas, frequentemente em um ambiente com interferências externas, o que o leva a forçar cada vez mais a voz. Sem entender os sintomas, muitos levam essas situações até o limite, quando as cordas vocais estão feridas, o que interfere na rotina de trabalho.

Segundo Leslie Ferreira, coordenadora do Laboratório de Voz (Laborvox), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), cerca de 60% dos docentes apresentam sintomas como rouquidão, cansaço ao falar, disfonia e pigarro. Fabiana Zanbom, fonoaudióloga do Sindicato dos Professores de São Paulo (Sinpro), acrescenta: "Como há pouca informação sobre o tema, muitos professores não procuram ajuda e a maioria chega ao consultório médico já com alterações de voz". Para ela, a orientação durante a faculdade de Pedagogia e os cursos de licenciatura poderia colaborar para que esse tipo de problema se tornasse menos comum.

Quem já chegou ao limite precisa buscar atendimento médico, mas o melhor caminho é a prevenção. O Ministério da Educação (MEC), no entanto, não tem um programa voltado a evitar os distúrbios vocálicos. E, embora muitas redes de ensino promovam ações nesse sentido, a maior parte delas é pontual e não existe mais. Faltam, portanto, programas permanentes que orientem os educadores.

Para tentar preencher essa lacuna, foi criado em 2011 um grupo de discussão no Ministério da Saúde. A iniciativa não é exclusivamente para escolas e nos próximos meses deve ser lançado um documento com indicações para garantir ambientes de trabalho mais saudáveis e organizados. As orientações incluem, por exemplo, controle de ruído, ventilação correta e espaços para descanso.

Pequenos ajustes 

Mudanças simples em seus hábitos podem colaborar para preservar a sua voz e evitar problemas futuros

Sem ruídos Feche as portas e as janelas para ajudar a manter a concentração da turma e poupar sua voz da competição com o ruído que vem da rua e do corredor.

Postura ereta Ao ficar em pé, você consegue se expressar com mais facilidade e tem um controle maior sobre os alunos. Evitando a bagunça, poupa a voz.

Ajuda do som Converse com a coordenação da escola para que ela disponibilize microfones a todos que necessitam. Faça acordos com os alunos para eliminar os gritos.

Longe do quadro Se você usa giz, o pó pode ser inalado e secar sua garganta. Por isso, fale virado para a turma. A atitude também favorece a comunicação com a classe.

Momentos de pausa Quando os alunos estão fazendo um trabalho em grupos, aproveite para poupar a sua voz para a continuação da aula.

Um santo remédio Tomar água propicia intervalos e hidrata as cordas vocais. Prefira o líquido a pastilhas, que podem fazer mal, em vez de ajudar.

Atitudes individuais se somam às coletivas

A cultura de se preocupar com a saúde vocal é pouco presente na profissão docente. Diferentemente de músicos e atores, por exemplo, o professor não é orientado a aquecer a voz antes das aulas, poupá-la sempre que possível ou incluir avaliações periódicas com médicos e fonoaudiólogos em sua rotina. A ausência desses hábitos criou problemas sérios para Alexandra Hardt Carlini. Ela dá aulas de Arte do 6º ao 9º ano no Colégio Piramis e no Ensino Médio do Colégio Maria Estela Sabidinho, ambos em São Paulo. Até o fim do ano passado, não se preocupava em cuidar da voz. Mudou seu comportamento após o aparecimento de nódulos na garganta, decorrentes de uma forte gripe que a fez forçar demais a comunicação em classe. Em janeiro, começou o tratamento com uma fonoaudióloga, que deu as orientações necessárias e ensinou a ela os exercícios vocálicos adequados para fazer antes de começar as aulas. Com as pequenas mudanças, deixou de ficar rouca e de sentir incômodos na garganta.

Após procurar ajuda, Alexandra também começou a prestar mais atenção no tom de voz que usava em sala. Ela conta que não grita mais para que os alunos a ouçam. Quando a sala está muito barulhenta, usa recursos como bater palmas para chamar a atenção. A professora também comprou um microfone e passou a beber água constantemente (conheça as medidas preventivas no quadro da página anterior). "No começo, os estudantes estranharam o microfone, mas expliquei do que se tratava. Agora preferem assim", diz.

Criar uma relação de respeito com a classe colabora muito para evitar desgastes na voz. Mariana Wrege, coordenadora da pós-graduação em Relações Interpessoais da Universidade de Franca (Unifran), reforça a importância da criação de um ambiente de cooperação para que o educador não precise forçar demais a fala. A formulação de regras de convivência pode ser realizada coletivamente e é essencial para garantir seu bem-estar. "O aluno também é capaz de trazer soluções para os problemas de convívio", explica.

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A voz é um código de expressão da alma, pois revela nossas impressões mais profundas através de seu timbre, seu volume, sua forma de emissão. Quando trabalhamos com a voz de alguém, colocamos em jogo o seu esquema de valores, toda sua filosofia de vida e toda a sua cosmovisão (Coelho, 1994).

A voz é considerada um dos mais poderosos meios de interação humana e, na profissão de educadores, é a principal ferramenta de trabalho dos professores. Inspirada nesse princípio, Dra. Hélida Maia, fonoaudióloga, atuando há seis anos na prevenção da saúde vocal com os professores das redes pública e particular de Brasília, considera que os professores, em sua rotina de trabalho, ficam vulneráveis ao tempo e ao uso da voz. Logo, necessitam de um tratamento de caráter profissional e preventivo.

A especialista tem como base as pesquisas que apontam um aumento significativo no número de professores com distúrbios vocais, provocados pelas condições de sua rotina de trabalho e por desinformação sobre o uso profissional inadequado. Dentre os fatores mais agravantes dos problemas de distúrbios da voz, ela aponta: a desinformação sobre seu uso e abuso, doenças associadas a disfonia e alergias respiratórias e o alto nível de estresse a que eles são submetidos no desempenho da profissão.

Em sua experiência na área, Dra. Hélida Maia encontra como a patologia mais freqüente em professores os nódulos de pregas vocais (vulgo calos). O grande vilão do aparecimento destes é  o esforço fonatório. O professor acredita que falar é um ato de esforço, o que não pode ser. Assim como acredita que a rouquidão é normal para a sua profissão. Eles  precisam saber que a rouquidão por mais de 10 dias é preocupante, não é reflexo só da dor de garganta ou gripe e pode caracterizar um problema de pregas vocais. Nesse caso, é muito importante procurar um otorrinolaringologista ou um fonoaudiólogo.

Em sua experiência, Hélida informa que as pesquisas apontam um aumento significativo no número de professores com distúrbios vocais, quando do desempenho das atividades escolares. Os diversos motivos são atribuídos, em grande parte, à vida agitada e ao constante estresse a que esses profissionais são submetidos. Somados a esses, os hábitos vocais inadequados concorrem para a disfunção da qualidade vocal dos professores: disfonia, alteração da voz e afonia (ausência da voz).

Por dificultar a carreira desse profissional, a disfunção vocal tem sido objeto de estudo e já é considerada doença profissional e social na maioria dos países. Os distúrbios de maior freqüência são: fadiga vocal, ardume, dor na garganta, tosse seca insistente, perda da voz e rouquidão sem gripe. A Fonoaudiologia é a ciência que cuida da prevenção e minimização dos distúrbios vocais, auxiliando os professores que estão atentos para sua produção vocal, evitando assim piores problemas no futuro. Para isso, é necessário que os professores, que utilizam a voz como instrumento de trabalho, estejam cientes das normas básicas que auxiliam a prevenção da saúde vocal, como também é preciso conhecer e desenvolver medidas preventivas, mudando pequenos hábitos e comportamentos no nosso cotidiano, através de cuidados básicos, como:

* Falar com uma postura correta, articulação precisa sem exageros, controle pneumofonoarticulatório e utilização de gestos no processo de audibilização e visualização na exposição em sala de aula.

* Ter cuidados com as vestimentas: usar roupas leves que não apertem a região do pescoço e/ou da cintura, pontos que garantem boa produção vocal.

* Eliminar hábitos de pigarrar, tossir e raspar secreção; estes devem ser substituídos por deglutição, que auxilia a eliminação.

Como estratégias didáticas, a fonoaudióloga recomenda algumas medidas que, além de serem preventivas de distúrbios vocais, são elegantes para a postura do professor:

* Falar articulando bem as palavras, com velocidade diminuída, dando pausas para reabastecer o ar dos pulmões.

* Manter a região do pescoço e dos ombros bem relaxada, para não prejudicar a mobilidade dos músculos de suporte da laringe.

* Tomar bastante água em temperatura ambiente (de 15 em 15 minutos) em sala de aula com ar-condicionado, por causa do ressecamento da mucosa.

* Nunca gritar, a não ser para pedir socorro. O grito deseduca e dá direito ao outro de gritar com você também. Para obter silêncio, no início e durante as aulas, usar recursos previamente combinados com os alunos, como: bater palmas, acenar as mãos, etc.

* Realizar a chamada pelos próprios alunos, pedindo para eles falarem seu nome por ordem alfabética ou pelo número de matrícula; isso promove concentração e silêncio, tornando o ambiente adequado para o início das atividades.

* Evitar o contato com o giz e limpar o quadro-negro com um pano úmido para não inalar o pó. Usar recursos como vídeo, slides, transparências e cartazes para poupar a voz do professor.

* Melhorar a disposição dos alunos dentro de sala para dissipar melhor o som da voz (meia-lua).

* Falar sempre virado para a turma, não fazer competição vocal nem com ruídos externos à sala de aula nem com a conversa paralela dos alunos.

* Evitar os choques térmicos, principalmente aqueles aos quais você sabe que é sensível (banhos quentes para sair ao vento), café quente e depois água gelada, sair sem agasalho numa noite fria.

Recomendações

Prevenção:

Higienização
* Praticar a escovação de dentes e língua.

* Hidratar amídalas, tomando uma colher de mel acompanhada de um copo de água natural.

Alimentação
* A alimentação deve ser baseada em frutas e alimentos não-gordurosos.

Relaxamento
* Cumprir a carga horária estabelecida para o exercício da profissão, respeitando os intervalos recomendados.

* Praticar exercícios físicos e mentais.
Físicos: exercícios específicos para os movimentos articulatórios dos OFAs, caminhada, natação e hidroginástica.

Mentais: prática de ioga, meditação, introdução da música instrumental durante o desenvolvimento de atividades extraclasse.

especiais:

* Não consumir bebidas e alimentos gelados, em excesso.

* Não fumar.

* Quando em quadros gripais, evitar falar em excesso.

* Não praticar exercícios físicos que exijam o uso da voz.

* Sentindo alguma alteração na sua voz, procurar imediatamente um profissional da área (fonoaudiólogo, otorrino).

* Não se automedicar; em caso de tratamento, cumprir as orientações médicas corretamente e, se necessário, buscar ajuda psicológica.

Essas ações da correta utilização da voz, além de prevenir distúrbios, garantem uma melhor comunicação e interação professor–aluno.

Dra. Hélida Maia faz parte da equipe que atua no Programa de Saúde Bucal – PSB, realizado na clínica do Sinepe Saúde – DF. A idéia surgiu em 1999, com base em um levantamento epidemiológico realizado pelo Dr. Antônio Jorge, Médico do Trabalho e integrante da equipe do Sinepe Saúde. Foram avaliados 493 professores atuantes no Ensino Fundamental e Médio, através de um questionário de sondagem. Os resultados do estudo foram alarmantes. Em 55,7% dos entrevistados, foi detectada a disfonia primária, um dos distúrbios mais comuns da fala. A partir dos dados coletados, os profissionais do Sinepe Saúde fizeram um perfil da categoria e descobriram que esse problema ocasiona freqüentes afastamentos de professores para tratamento de saúde. O PSB passou a ser realizado em duas frentes de ação: a prevenção da disfonia e a reabilitação do disfônico.

A profilaxia da voz está a cargo da fonoaudióloga Hélida Maia, que realiza o trabalho de reabilitação fonoterápica. Semanalmente passam pelo seu consultório, instalado na sede do Sinepe, aproximadamente 30 professores em fase de reabilitação vocal. A eficácia é notória de acordo com a Professora Conceição das Graças Moreira Araújo, presidente do Sinepe. Reduzimos as licenças médicas causadas por disfonia ou afonia e melhoramos a qualidade de vida dos nossos profissionais, comemora Conceição.

O programa contribuiu, também, para conscientizar os educadores sobre a conservação da sua voz. “Às quintas-feiras, eu já estava rouca. Hoje, falo articuladamente, e minha voz está mais homogênea e sem pigarros”, afirma Agda Vasconcelos, professora de uma escola de Brasília. A experiência não pára por aí. Os coordenadores do programa querem realizar estudos técnicos para caracterizar o nexo causal e incluir essa enfermidade na lista de doenças do trabalho catalogadas pelo Ministério da Previdência.

Dra. Hélida Maia www.sinepe.df.org

Fone: (61) 245 3646

Referências Bibliográficas:

BEHLAU, M. Pontes, P. Higiene vocal: informações básicas. Lovise, São Paulo, 1993. HERSAN, P. Distúrbios da voz. In: Problemas da audiocomunicação na educação. Fundação para o Desenvolvimento da Educação. São Paulo, 1989. OLIVEIRA, B. e col. Distúrbios vocais em professores da pré-escola e primeiro grau. In: FERREIRA, P. (org.) Voz profissional: o profissional da voz. Pro-fono. São Paulo,1995.

SACALOSKI, M. ALAVARSI, E. GUERRA, G. Fonoaudiologia na escola. Lovise. São Paulo, 2000.