Por que muitas pessoas não se sentem representadas quando um índice de inflação é divulgado

São Paulo

O Brasil é um dos países nos quais as mudanças nos hábitos de consumo durante a pandemia do coronavírus mais pressionaram o custo de vida das famílias.

É isso o que mostra estudo do economista argentino Alberto Cavallo, professor da escola de negócios da Universidade Harvard, que comparou a inflação causada especificamente pelas consequências da crise sanitária com a variação capturada pelos índices de preços ao consumidor existentes.

Entre 18 nações emergentes e desenvolvidas analisadas pelo pesquisador, o Brasil registrou a maior disparidade entre o que ele batizou de "inflação da Covid" e o indicador oficial (o IPCA), em maio.

A diferença, no caso brasileiro, foi de 0,88 ponto percentual entre os dois índices acumulados em 12 meses, ante 0,82 ponto percentual nos Estados Unidos e no Uruguai. Em terceiro lugar, aparece a Coreia do Sul, com 0,49 ponto percentual.

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O preço do arroz teve uma alta de 3,08% em agosto, na relação com julho deste ano. No acumulado de 2020 (janeiro a agosto, na comparação com o mesmo período de 2019), o grão tem alta de 19,2%, segundo dados do IBGE. DIVULGAÇÃO/

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O preço do feijão carioca teve uma retração de 5,85% em agosto, na comparação com julho, o feijão preto também recuou no mês, em 0,45%. No acumulado de 2020, porém, ambos os preços seguem em alta de 12,1% e 28,9%, respectivamente. Folhapress/Douglas Cometti

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Já o leite longa vida acumula alta de 4,84% em agosto sobre julho e de 22,9% no acumulado do ano, ainda segundo o IBGE. Folhapress/Eduardo Knapp

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O óleo de soja vê seu preço subir 9,48% em agosto, enquanto no ano acumula crescimento de 18,6%. Cris Bierrenbach/Folhapress/Cris Bierrenbach/Folhapress

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As carnes em geral tiveram uma alta de 3,33% em agosto sobre julho, mas no acumulado do ano apresentam queda de 1,89%. . UOL/Folhapress/ Marcelo Justo

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No caso de carnes de frango, o movimento foi oposto: elas tiveram recuo de 0,62% na relação julho e agosto, mas acumulam alta de 3,58% no ano. /

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Desde o fundo do poço da pandemia em maio, os insumos da construção registraram altas enquanto o setor esboça uma retomada.. /

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Em agosto, o tijolo subiu 9,32% depois de uma alta de 4,13%, em julho. Com o cimento, os preços se elevaram 5,42% no mês passado ante 4,04%, em julho. . Folhapress/Letícia Moreira

Segundo Cavallo, o Brasil aparece no topo da lista porque apresentou uma combinação entre alta forte nos preços de alimentos (9% anuais em maio) e queda no custo de transporte (de 2,5%).

"Como as pessoas estão consumindo mais comida (com inflação) e menos transporte (com deflação), o índice da Covid ajustado tem mais inflação", disse Cavallo à Folha.

Ele ressalta que, embora 12 dos 18 países analisados tenham apresentado padrões similares, a divergência entre as taxas de inflação setoriais brasileiras na pandemia tem sido maior e mais persistente.

De acordo com Cavallo, em julho, o índice de preços ajustado pelos efeitos da Covid ainda se mantinha 0,88 ponto percentual acima da inflação oficial no Brasil.

Para construir o índice de inflação relacionado à pandemia, o pesquisador registrou as mudanças nas tendências de consumo dos norte-americanos entre janeiro e abril, com base em dados de gastos com cartões que são disponibilizados em alta frequência por um projeto das universidades Harvard e Brown.

Cavallo, que é filho do ex-ministro da Economia da Argentina Domingo Cavallo, notou que os novos hábitos em decorrência da crise sanitária --como o maior distanciamento social-- causaram significativa mudança no peso de diferentes grupos de bens e serviços na cesta de consumo.

O item "comida em casa" que representa 7,58% do índice de preços ao consumidor americano saltou para 11,28% no contexto da pandemia. A fatia do custo com o segmento imobiliário –já extremamente alta nos Estados Unidos– aumentou ainda mais, de 42,11% para 55,8%.

Na contramão desses movimentos, houve quedas de 15,74% para 6,25% no caso de transportes e de 8,83% para 5,6% em gastos com cuidados médicos.

Usando os novos pesos do contexto da pandemia, o economista construiu o índice de inflação da Covid-19 para os EUA e o comparou com o indicador oficial.

Assumindo que alterações similares nas tendências de consumo ocorreram em outros países, ele calculou as mudanças nos pesos dos diferentes itens que compõem a inflação nas demais 17 nações.

No Brasil, ele estimou um aumento no peso de alimentação em casa de 14,8% para 23,9%. Já a fatia representada por transporte caiu de 19,8% para 8,5%.

O pesquisador concluiu que, com as mudanças de pesos, os índices de inflação oficial têm subestimado o aumento real no custo de vida durante a pandemia na maior parte dos países. O estudo foi publicado pelo NBER (National Bureau of Economic Research), prestigiado centro de pesquisa americano.

No caso dos Estados Unidos, ele mostra que a inflação da pandemia tem pesado mais no bolso da população mais pobre, que destina uma parcela maior de sua renda a itens como alimentação.

No Brasil, o arroz se tornou o vilão mais conhecido da inflação da Covid identificada por Cavallo. Em decorrência de uma combinação de fatores, entre eles um aumento da demanda, o preço do cereal disparou.

A alta motivou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a pedir patriotismo aos donos de redes de varejo, o que, segundo ele, significaria não repassar o maior custo com o arroz para os preços do produto nas prateleiras até que a situação se normalizasse.

"Não existe tabelamento. Mas [estamos] pedindo para eles que o lucro desses produtos essenciais para a população seja próximo de zero", afirmou o presidente recentemente.

Além da reação de Bolsonaro, a Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), do Ministério da Justiça, cobrou dos varejistas explicações sobre o aumento dos preços de itens da cesta básica.

Essas reações com ares de intervencionismo contrastaram com a decisão efetivamente tomada pelo Ministério da Economia de zerar temporariamente a tarifa de importação do arroz.

Ao baratear o custo para a compra do produto no exterior, a medida busca aumentar a competição no mercado interno, o que tende a reduzir os preços, sem causar distorções na economia.

"Essa foi uma boa solução para permitir que a oferta se ajuste ao aumento da demanda", afirma Carlos Kawall, diretor do Asa Investments e ex-secretário do Tesouro Nacional.

Para o economista, muito do aumento nos preços de alimentos se deve ao pagamento do auxílio emergencial aos mais vulneráveis, como trabalhadores informais, nos últimos meses.

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A crise desencadeada pela paralisação da economia começou com os fechamentos dos estabelecimentos comerciais e as medidas de isolamento. No dia 17 de março, com a morte da primeira pessoa, o país começou a parar. Folhapress/Eduardo Knapp

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Primeiro mês da pandemia no Brasil, março já apresentou resultados negativos nos diferentes setores da economia. Segundo os dados do IBGE (atualizados em junho de 2020), naquele mês a queda do setor de serviços chegou a 6,9%, enquanto a indústria recuou 9,2% e o comércio 2,8%. Folhapress/Bruno Santos

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Uma das saídas dos estabelecimentos para se manterem ativos durante o distanciamento social foi o uso do WhatsApp. O app passou a funcionar como balcão para o comércio de empresas de todos os portes. O uso da plataforma aumentou 50% na crise de Covid-19, de acordo com pesquisa da consultoria Kantar em 30 países. No Brasil, foi o aplicativo que mais cresceu. . Folhapress/Gabriel Cabral

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Com estabelecimentos comerciais, bares e restaurantes fechados, o consumo caiu e empresários ficaram sem fonte de renda. A saída de muitos foi enxugar os custos fixos, cortando funcionários. Foi o que ocorreu com a vendedora Helena Torres (foto), que estava trabalhando em uma loja de roupa no Shopping Iguatemi. Folhapress/Eduardo Knapp

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O impacto foi maior para aquela atividade que vinha sustentando o mercado de trabalho, os informais. José Cícero Lima da Silva trabalha como ambulante vendendo chapéu na praia de Copacabana, no Rio, e já em março sentia a queda do movimento. Dados do fim de junho do IBGE apontam para a perda de 5,8 milhões de empregos na informalidade. Folhapress/Ricardo Borges

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Mais vulneráveis à paralisação das atividades, os informais receberam um auxílio emergencial do governo no valor de R$ 600. O pagamento da ajuda, porém, sofreu alguns entraves, com demora em depósitos e fraude no sistema.. Havolene Valinhos/Folhapress/Havolene Valinhos/Folhapress

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A instabilidade trazida pela doença também derrubou a Bolsa brasileira a 63.569 pontos no dia 23 de março -um número bem distante dos 119.527 pontos de dois meses antes, em 23 de janeiro. Folhapress/Diego Padgurschi

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O isolamento social também derrubou as vendas de automóveis no país. Isso fez com que a produção de veículos leves e pesados caísse 50,5% no primeiro semestre de 2020 em relação ao mesmo período de 2019, segundo dados da Anfavea (associação do setor). Folhapress/Niels Andreas

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A queda do setor automotivo acabou ajudando a amargar a situação da indústria que perdeu em 3 meses a produtividade conquistada em 2 anos, segundo dados de junho da CNI. Folhapress/Bruno Santos

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Sem poder sair de casa, os brasileiros também não puderam alugar carros. Dados da Abla (associação que reúne as locadoras) mostram que entre a segunda quinzena de março e a primeira semana de maio 43% da frota das locadoras no Brasil estava parada.. Folhapress/Bruno Santos

Mas esse efeito tende a ser transitório e deve perder força quando o benefício for interrompido, levando a economia a se acomodar em um novo patamar.

O economista diz não estar tão otimista com os sinais recentes de retomada da atividade no Brasil.

"O desemprego não disparou nesta crise porque muitas pessoas deixaram de procurar trabalho. Mas a ocupação despencou e pode demorar a voltar ao nível anterior à crise."

Dados divulgados na semana passada mostram que parte do represamento na procura por emprego começou a se desfazer. Mais de 1 milhão de brasileiros que tinham saído temporariamente da força de trabalho voltaram a buscar uma vaga, levando a taxa de desocupação a subir de 13,2% para 14,3% em uma semana.

Essa tendência deve estar associada ao menor receio de contágio pelo coronavírus, mas também à proximidade do fim do auxílio. A combinação entre a suspensão da transferência emergencial e o desemprego alto deve a reduzir a demanda, diminuindo a pressão sobre os preços que vinham em alta.

Além disso, para Kawall, muitas das mudanças de hábitos que devem perdurar após a pandemia --como o trabalho remoto, a redução de viagens de negócios e a realização de grandes eventos online-- também terão efeito deflacionário.

Alberto Cavallo também acredita que as mudanças que, hoje, fazem com que os índices oficiais de preços não sejam um bom espelho do aumento de custo de vida nos últimos meses serão, em parte, revertidas, após a pandemia.

"Eu espero que todas as categorias [de preços de bens e serviços] voltem ao normal, com a exceção talvez do transporte, que pode permanecer mais baixo se as pessoas decidirem trabalhar mais de casa do que anteriormente", diz.

A provável transitoriedade nas distorções de preços, somada à reação do Ministério da Economia de reduzir tarifas de importação, amenizou o impacto negativo da cobrança de Bolsonaro por patriotismo aos varejistas.

"Acho que foi da boca para fora, embora seja mais um episódio lamentável que leva ao receio de uma guinada populista", afirma Kawall.

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Após anunciar projeto de construção de uma ponte em Eldorado Paulista, cidade onde cresceu, Bolsonaro toma refrigerante no Bar do Juca, estabelecimento vizinho à casa de sua mãe. Presidente estava com o ministro da Justiça, André Mendonça, o filho Eduardo, o irmão Renato e sobrinhos. Folhapress/Adriano Vizoni - 3.set.2020

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Após anunciar projeto de construção de uma ponte em Eldorado Paulista, cidade onde cresceu, Bolsonaro toma refrigerante no Bar do Juca, estabelecimento vizinho à casa de sua mãe. Presidente estava com o ministro da Justiça, André Mendonça, o filho Eduardo, o irmão Renato e sobrinhos. Folhapress/Adriano Vizoni - 3.set.2020

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Após anunciar projeto de construção de uma ponte em Eldorado Paulista, cidade onde cresceu, Bolsonaro toma refrigerante no Bar do Juca, estabelecimento vizinho à casa de sua mãe. Presidente estava com o ministro da Justiça, André Mendonça, o filho Eduardo, o irmão Renato e sobrinhos. Folhapress/Adriano Vizoni - 3.set.2020

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Após anunciar projeto de construção de uma ponte em Eldorado Paulista, cidade onde cresceu, Bolsonaro toma refrigerante no Bar do Juca, estabelecimento vizinho à casa de sua mãe. Presidente estava com o ministro da Justiça, André Mendonça, o filho Eduardo, o irmão Renato e sobrinhos. Folhapress/Adriano Vizoni - 3.set.2020

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Após anunciar projeto de construção de uma ponte em Eldorado Paulista, cidade onde cresceu, Bolsonaro toma refrigerante no Bar do Juca, estabelecimento vizinho à casa de sua mãe. Presidente estava com o ministro da Justiça, André Mendonça, o filho Eduardo, o irmão Renato e sobrinhos. Folhapress/Adriano Vizoni - 3.set.2020

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Após anunciar projeto de construção de uma ponte em Eldorado Paulista, cidade onde cresceu, Bolsonaro toma refrigerante no Bar do Juca, estabelecimento vizinho à casa de sua mãe. Presidente estava com o ministro da Justiça, André Mendonça, o filho Eduardo, o irmão Renato e sobrinhos. Folhapress/Adriano Vizoni - 3.set.2020